Como explicar a sensação de estar na frente de uma tela que mostrará o resultado da aprovação na universidade dos seus sonhos? E a explosão de sentimentos ao ler o seu nome na lista de aprovados? É com essa cena clássica de jovens comemorando o ingresso na faculdade que começa o documentário Educação Americana: Fraude e Privilégio – estreia da Netflix.
O momento de entusiasmo logo perde espaço para uma história sombria. Com recriações de transcrições de grampo telefônico divulgadas pelos Estados Unidos, o filme retrata o maior escândalo de compras de vagas nas universidades americanas mais prestigiadas.
De 2011 a 2018, Rick Singer – o orquestrador de toda a operação – recebeu cerca de 25 milhões de dólares de pais ricos para garantir que seus filhos entrassem na universidade escolhida, independente de seus desempenhos. Médicos, grandes empresários, proprietários da NBA e NFL e nomes conhecidos como das atrizes Lori Loughlin e Felicity Huffman se envolveram no esquema de suborno. Não é à toa que o caso gerou tamanha polêmica em fevereiro de 2019, quando a imprensa teve acesso à investigação do FBI batizada de Operação Varsity Blues.
Como é o ingresso nas universidades americanas
O processo de ingresso no Ensino Superior nos EUA é bem mais abrangente do que no Brasil. Lá, além do resultado de provas como o SAT – que corresponde ao nosso Enem -, o candidato ainda é avaliado pelo seu histórico escolar, carta de recomendação, o essay (uma redação para candidatura que o estudante fala sobre aspectos pessoais), atividades extracurriculares e entrevista.
Para melhorar o desenvolvimento dos alunos, famílias com melhores condições financeiras contratam consultores universitários. Rick Singer atuava como um deles e abriu uma grande empresa no ramo. Com expressão séria, vestindo roupas esportivas, ele agia como um treinador só que fora de campo: treinava jovens a entrar na faculdade. Ele participava de toda a application – como é chamado todo o processo de inscrição.
Singer começou com trapaças mais sutis: exagerava e inventava fatos nos formulários de inscrição. Mudava a raça do estudante de branco para latino, por exemplo, para entrar no sistema de cotas. O esquema depois usava o suborno de inspetores de prova para realizarem a avaliação no lugar do aluno, garantindo uma melhor nota no STA ou ACT.
Outra forma de entrar em uma universidade americana é por meio do esporte. Singer, então, criava perfis falsos de atleta para jovens que nunca tinham sequer entrado em uma quadra ou piscina. O alvo eram, principalmente, esportes como menos visibilidade, como a vela. Além de ser mais discreto, eles aproveitavam para subornar essas modalidades que precisavam de mais arrecadações para sobreviver. Assim, técnicos ficavam mais vulneráveis para receber subornos.
Com o documentário é possível conhecer mais o processo de admissão nos Estados Unidos, que difere bastante do que estamos acostumados nos vestibulares brasileiros. Além de saber mais sobre o esquema de fraude, com cenas retratando as negociações feitas entre consultor e os treinadores, pais e inspetores. A produção também revela os bastidores da Operação Varsity Blues.
Educação virou produto e aparência
Jon Reider, ex-oficial de admissões de Stanford , fala no documentário como nas quatro últimas décadas, a Educação Superior se tornou cada vez mais uma mercadoria: “O objetivo é adquirir o produto, não a formação acadêmica”.
O filme debate como as compras de vagas entra na lógica da sociedade de aparência. As universidades de elite viraram objeto de ostentação dos pais que se realizam por meio das conquistas dos filhos. Nem sempre com esforço, mas com o poder de compra.
Nesse contexto, as universidades mais seletivas têm as melhores classificações. A admissão acaba favorecendo ricos e brancos, estudantes que praticam esportes de nicho. Quem tem recursos para contratar um consultor universitário já sai na frente.
A grande concorrência gera muita ansiedade e pressão nos estudantes. A cena clássica que falamos no começo, de jovens sabendo da aprovação, vira comemoração nas redes sociais para quem passou. Quem não conseguiu a vaga precisa encarar a decepção, que parece ser maior com o alcance das redes.
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