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A vitória das mulheres no Oscar 2021 – e o abismo de gênero no cinema

Documentário mostra como as diferenças entre homens e mulheres ainda se refletem não só nas telas, mas atrás das câmeras

Por Giulia Gianolla
20 mar 2021, 06h19
Chloé Zhao - diretora de "Nomadland"; Uma estatueta do Oscar;Emerald Fennell - diretora de "Bela vingança"
 (Giulia Gianolla/Guia do Estudante)
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Em 2021, pela primeira vez em 93 edições do Oscar, duas mulheres foram simultaneamente indicadas ao prêmio de Melhor Direção. Chloé Zhao, de “Nomadland”, e Emerald Fennell, de “Bela Vingança”, já marcaram a história da premiação, que há anos vem sendo criticada pela falta de diversidade. O acontecimento virou manchete de grandes portais ao redor do mundo como uma vitória das mulheres: antes de 2021, só cinco diretoras foram indicadas em edições anteriores. 

Na luta por mais igualdade de gênero no cinema, é comum prestar atenção apenas nos rostos que aparecem na tela. “A personagem principal é uma mulher?” ou “a mulher em cena parece submissa?”. Mas, todos os anos, há cinco mulheres indicadas ao Oscar de melhor atriz. A questão mais delicada, para o movimento feminista, é a ausência de mulheres em outras listas, que demonstram a dificuldades delas de fazer parte das engrenagens da indústria. 

O documentário “Mulheres Em Hollywood: É Hora Da Mudança”, de 2018, mostra que a desigualdade vai muito além do que se vê em cena. Com depoimentos de grandes nomes da indústria cinematográfica, como Meryl Streep, Cate Blanchett e Sharon Stone, ele explora diversas consequências do sexismo nos estúdios. Veja o trailer:

Confira quatro tópicos levantados pelo filme que vão além do óbvio:

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Presença em cena

Uma das partes mais impactantes do documentário é a alarmante diferença de presença em cena de homens e mulheres. Em 2018, um estudo do Center for the Study of Women in Television and Film mostrou que apenas 35% dos filmes incluíram 10 ou mais papéis femininos com falas. Segue a base de comparação: 82% dos filmes têm 10 ou mais personagens masculinos com falas. 

Entre os 101 filmes mais lucrativos de 1990 a 2005, 72% dos papéis com falas eram masculinos. Uma diferença enorme que não reflete as plateias das salas de cinema. O documentário explora essa disparidade e traz inúmeras outras estatísticas que mostram que, mesmo nas telas, a diferença ainda existe e é relevante.

Ellen Tejle, dona de uma casa de cinema em Estocolmo, uma das entrevistadas do filme, cita o famoso teste Bechdel-Wallace para avaliar a qualidade da presença feminina no roteiro. Ele consiste em três perguntas simples: o filme tem pelo menos duas mulheres? Se sim, elas têm ao menos um diálogo? Por fim, este diálogo aborda algo além de homens?

Tirinha em inglês que originou o teste relatado no texto. Nela, duas mulheres conversam e uma delas diz que, a partir daquele momento, não assiste mais filmes que não passem pelas três perguntas.
Tirinha de 1985 feita por Alison Bechdel, onde o teste surge pela primeira vez como parte de uma piada. (Alison Bechdel/Reprodução)
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Mulheres nos bastidores

A atriz Reese Witherspoon conta que, durante as filmagens de alguns de seus filmes, havia 150 pessoas envolvidas na gravação de algumas cenas e apenas uma mulher – ela mesma. É raro encontrar mulheres operando câmeras, microfones ou dirigindo atores em set. E não para por aí. O documentário traz outro dado importante: entre os 100 filmes mais rentáveis de 2018, 85% foram escritos por homens.  

A explicação vem não só de quem produz o filme, mas também de quem o avalia. No ano da filmagem do documentário, no Rotten Tomatoes, um dos fóruns de avaliação mais prestigiados do cinema, 77,8% dos críticos eram homens. Joeyl Soloway, criador de Transparent, ressalta o perigo disso:  “Quando se diz que um filme é bom, significa que nos identificamos de alguma forma com ele. Se são homens que avaliam os filmes, o conceito de ‘bom’ é atrelado ao que agrada o sexo masculino”.

Roteiros rasos

Uma das consequências da desproporcionalidade de gênero entre diretores e roteiristas de grandes produções é que a maioria masculina não sabe como – ou simplesmente não tenta – incluir as personagens femininas na trama.

Além de descrevê-las com base em suas características físicas, classificando-as por ‘nível de beleza’ – o que muito raramente ocorre com personagens homens –, mulheres complexas são reduzidas a figuras simples. Taraji P. Henson, atriz que interpretou Queenie em O curioso caso de Benjamin Button, descreve: “Quase sempre vou inovar fazendo algo multidimensional. Porque sei que posso criar algo muito mais profundo do que as palavras que estão escritas no roteiro.”

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Por isso, muitas vezes roteiristas mulheres são chamadas apenas para “turbinar” as mulheres do roteiro. Meryl Streep conta ter tido de escrever uma cena intensa em Kramer vs. Kramer porque os homens no set não tinham ideia de como a personagem feminina agiria. A atriz Marisa Tomei conta no documentário: “Chamo isso de ‘tapa-buraco’. Percebi que meu trabalho era só aparecer e preencher as rachaduras.”

Importância de leis de apoio

Nos Estados Unidos, com o avanço de estudos que comprovavam a disparidade de oportunidades de trabalho para mulheres na indústria cinematográfica, um grupo de mulheres passou a buscar apoio dentro da Associação de Diretores da América (DGA). O que conseguiram foi que o DGA recomendasse uma “conformidade voluntária” dos produtores e diretores na busca por mais inclusão. O resultado foi: nenhum. Com homens já contratados, as empresas e estúdios não se mobilizaram para contratar mais mulheres.

Com o tempo, grupos feministas foram atrás de instituições externas à indústria para de fato promover mudanças. Com o apoio da American Civil Liberties Union (ACLU), conseguiram processar estúdios por meio de leis federais que proíbem a discriminação por gênero no trabalho. 

Leis são importantes para causar mudanças. Não se pode mudar mentes, mas se pode trazer consequências. As leis garantem isso.” É o diz Mellody Hobson, ex-presidente da Dreamworks e hoje líder do grupo Starbucks.

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Apesar do panorama negativo, o documentário acaba num tom otimista. Graças a movimentos populares em prol da inclusão feminina, o panorama tem mudando. Estudos mais recentes do Center for the Study of Women in Television and Film mostram que a diferença de oportunidades para homens e mulheres tem diminuído.

Mulheres em Hollywood ressalta que a mudança deve partir de todos. Produtores, diretores, estúdios e, principalmente, do público. Deve haver um esforço constante para priorizar conteúdos em que mulheres sejam mais bem representadas, dentro e fora das telas. 

A sugestão do GUIA? O lançamento mais recente do Disney+, WandaVision: já foi tema de reportagem nossa e foi criado por uma mulher, Jac Schaeffer. 😉

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