Matriz de Transporte: os gargalos da infraestrutura
Essenciais para o escoamento da produção agrícola, os investimentos em obras de logística e transportes avançam lentamente no Brasil
RESUMO
Matriz de transporte: É o conjunto dos meios de transporte de carga e pessoas, via terrestre, fluvial, aérea e por dutos. Ela indica os volumes transportados e a distribuição, em porcentagem, desses volumes entre as diversas modalidades.
Rodovias: A predominância das rodovias na matriz de transporte brasileira data dos anos 1920, com a exportação de café. Nos anos 1950, as estradas se tornaram prioridade diante da chegada de montadoras estrangeiras. Segundo representantes do setor de transportes, metade delas se encontra em estado de conservação regular, ruim ou péssimo.
Desequilíbrio: O Brasil transporta 65% de carga por rodovias, 15% por ferrovias e 16% por meio das águas, sendo 11%por cabotagem e 5% pelas hidrovias. Os outros 4% são feitos pelo sistema dutoviário. A ênfase em rodovias distorce a matriz, já que ferrovias e hidrovias são mais indicadas para grandes volumes e distâncias maiores. A melhoria e o equilíbrio da malha de transportes é fundamental para evitar gargalos no escoamento da produção.
Transporte intermodal: Uma matriz moderna é aquela que inclui e integra as diversas modalidades de transporte – ferrovias, rodovias, hidrovias –, conforme sua adequação ao tipo e volume dos produtos transportados, as características geográficas (curso dos rios, por exemplo) e as distâncias a ser percorridas.
Custo elevado: Devido ao déficit de infraestrutura, os produtos brasileiros tornam-se menos competitivos no mercado externo, pois os produtores repassam o impacto do alto custo do transporte. Além disso, muitos fazendeiros produzem menos devido aos elevados custos logísticos,que inviabilizam o negócio.
As exportações brasileiras de grãos atingiram 242,1 milhões de toneladas na safra 2018/2019, um recorde. Os dados são da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O Brasil é o líder na produção de grãos mundial junto aos Estados Unidos.
No entanto, o expressivo resultado das vendas externas de itens como soja, milho e farelo não é plenamente satisfatório porque o setor tem capacidade para crescer ainda mais. Entre os fatores que impedem as exportações do agronegócio de atingir seu pleno potencial, um dos mais críticos é a infraestrutura de transportes.
Um exemplo: o estado do Mato Grosso é o maior produtor e exportador de soja do país, concentrando quase 30% da produção nacional e um terço das vendas externas do produto. Para levar o produto até o litoral, de onde é despachado para o exterior pela via marítima, a maior parte segue de caminhão para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR) – em 2019, os dois portos exportaram mais de 24 milhões de toneladas de soja.
Por sua vez, apenas 18,5 milhões de toneladas foram enviadas para todos os portos do chamado “arco-norte”, como o de Santarém (PA), que fica mais próximo das áreas produtoras do Mato Grosso.
A razão pela qual a soja produzida no Mato Grosso precisa viajar mais de 2 mil quilômetros para chegar até os portos do Sul e do Sudeste é sintomática de um grave problema que o Brasil enfrenta há décadas: o país possui uma matriz de transporte insuficiente e desequilibrada.
Matriz de transporte
A matriz de transporte ideal é aquela que consegue equacionar de forma adequada as distâncias e a geografia das regiões a ser atravessadas, as características do produto transportado e as exigências econômicas e sociais, minimizando custos financeiros e ambientais. Ela inclui:
- transporte terrestre, composto de rodovias e ferrovias. As rodovias são indicadas para interligar pontos próximos e cargas urgentes, mas não volumosas. Já as ferrovias são adequadas a trajetos médios e longos, para grandes volumes;
- transporte aéreo, dentro do país e para o exterior. O frete é mais caro mas ideal para o transporte de cargas delicadas e perecíveis ou de urgência para as indústrias;
- transporte hidroviário, que inclui os rios, a navegação costeira (chamada cabotagem) e a transatlântica. É feito por barcaças e navios, que são mais lentos, porém muito mais baratos para grandes volumes;
- transporte por dutos ou tubulações, fundamental para o transporte de gás, petróleo e água para a agricultura e a indústria. Também responde por parte do abastecimento urbano.
A SITUAÇÃO DA MATRIZ BRASILEIRA
- Rodovias
As rodovias são hoje o principal meio de transporte de passageiros e cargas no Brasil. São cerca de 1,7 milhão de quilômetros de estradas, com apenas 13% asfaltados. Pior: entre as pavimentadas, 48,6% se encontram em estado de conservação regular, ruim ou péssimo.
- Ferrovias
A malha ferroviária é menor do que a necessária e tem trechos precários. Quase totalmente privatizada a partir de 1997, os cerca de 30 mil quilômetros de ferrovias praticamente não se alteram há quatro décadas. Em 2019, somente 15% da produção brasileira era transportada sobre trilhos.
- Hidrovias
Dos 63 mil quilômetros de rios navegáveis, apenas 19 mil são aproveitados. A expansão da rede depende da compatibilidade entre o destino geográfico dos rios e a direção dos fluxos de carga para transporte. A hidrovia Solimões-Amazonas responde pela maior parte do transporte hidroviário brasileiro.
- Portos
Os portos estão entre os principais gargalos da matriz. Na ponta das redes rodoviária, ferroviária e fluvial, eles constituem a porta de saída da quase totalidade das exportações e de entrada de insumos industriais. O Brasil necessita ampliar seus portos e docas.
- Dutos e aeroportos
O gasoduto Bolívia-Brasil é a principal via de transporte de petróleo e gás no país. O transporte aéreo corresponde a menos de 1% da matriz brasileira. O governo federal prioriza a reforma e a modernização de aeroportos como o Galeão (RJ) e Guarulhos (SP). Também receberam investimentos aeroportos ociosos com maior potencial para a intermodalidade, como o de Viracopos (SP). Em 2020, os de Foz do Iguaçu (PR) e Navegantes (SC) passaram por reformas e ampliações consideráveis.
Infraestrutura deficiente
O Brasil enfrenta um déficit de infraestrutura logística. Ou seja, faltam rodovias, hidrovias, ferrovias, aeroportos e estrutura portuária para atender a uma demanda reprimida. Afora isso, nossa matriz é extremamente desequilibrada. Um país de dimensões continentais como o Brasil, que movimenta mercadorias internamente e exporta grande volume de grãos e minérios produzidos em áreas distantes do litoral, deveria usar, de forma integrada, várias modalidades de transporte.
Não é o que acontece. Mais de 60% de todo o transporte do país acontece em rodovias. As hidrovias, ideais para o transporte de grãos do interior para o litoral, representam apenas 5% da matriz.
A distorção na matriz de transporte brasileira data do século XIX. Até a década de 1920, a maior parte do frete era feita por ferrovias e por navegação. Entre 1928 e 1955, a rede de ferrovias cresceu 20%, enquanto a de rodovias aumentou em 400%.
Essa expansão foi vinculada ao complexo agroexportador do café, principalmente na Região Sudeste. A expansão das rodovias foi mantida mesmo após a crise do café, em 1929, nos governos de Getúlio Vargas. Prosseguiu com o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e sob o regime militar (1964-1985), períodos de expansão da indústria automobilística estrangeira no Brasil.
Hoje, qualquer ideia sobre modernização, manutenção e expansão da matriz de transportes se baseia na intermodalidade ou transporte intermodal – a integração das várias opções de transporte. Por exemplo: transportar determinada carga por caminhão até um trem ou barcaça que a levará até um porto para exportação.
5 milhões de toneladas de soja e milho não foram produzidas em 2017 devido aos altos custos logísticos
Custos elevados
A ausência de uma matriz de transporte eficiente acarreta prejuízos para os produtores e afeta a economia como um todo. O fato de a soja ter de percorrer uma distância maior encarece o produto e o torna menos competitivo no mercado externo.
Em 2017, 5 milhões de toneladas de grãos deixaram de ser produzidas devido aos elevados custos logísticos, que inviabilizaram financeiramente o negócio, segundo o consultor de Infraestrutura e Logística da CNA, Luiz Antônio Fayet.
O problema é que os investimentos em obras de infraestrutura que poderiam minimizar a situação andam em um ritmo bem menor do que o desejado. Especialistas apontam que é necessário investir um pouco mais de 4% do PIB do Brasil para manter o que tem em bom estado e realizar melhorias no sistema. A questão é que a quantia investida nos últimos anos é muito menor do que isso. O Brasil precisaria investir 162 bilhões a mais em 2019 para chegar no valor adequado para aquele ano, segundo levantamento da consultoria Inter.B.
Entre 2010 e 2015 o patamar de investimento ficou na casa de 2,1 a 2,2% do PIB. Nos anos seguintes caiu ainda mais, chegando a ficar em menos de 1,7% no ano de 2017. Mesmo com a queda, o capital utilizado só se manteve neste patamar por conta do aumento do investimento privado.
Com problemas nas contas públicas, a participação do governo que era superior a 50% do total em 2010 passou a ser de apenas um terço em 2019. A participação governamental deve ser reduzida mais nos próximos anos.
Concessões
Com as contas públicas desequilibradas, o governo federal não tem dinheiro em caixa para bancar as obras necessárias à ampliação da malha de transportes pelo Brasil. Uma das alternativas para desatar esse nó logístico tem sido a adoção de um modelo conhecido como concessão.
Concessão é um sistema pelo qual o governo transfere à iniciativa privada serviços de construção, reformas, infraestrutura e administração de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. Nessa transferência, as empresas fazem um investimento que, naturalmente, terá algum retorno financeiro. Por exemplo, uma empresa assume as obras de duplicação de uma rodovia. Em troca, ela recolhe o pedágio cobrado dos motoristas.
Para ganhar uma concessão, uma empresa deve oferecer em leilão a melhor oferta de serviços e investimentos – na construção de novos ramais ferroviários e terminais portuários – ou, no caso das rodovias federais, as menores tarifas de pedágio.
Público e privado
Mesmo antes do agravamento da crise política e econômica, o governo de Dilma Roussef havia lançado um amplo pacote de concessões conhecido como Programa de Investimento em Logística (PIL), em 2012. No entanto, o projeto encontrou dificuldades para avançar devido ao fato de não haver empresas suficientemente interessadas em investir.
O setor privado reclama das restrições impostas pelo governo na participação dos leilões – as empresas não achavam o retorno financeiro suficientemente atraente para um negócio considerado arriscado. Entre as condições colocadas pelo governo para a parceria com o capital privado estava a limitação no período de concessão.
Uma empresa que construísse uma rodovia, por exemplo, poderia explorá-la financeiramente por até 35 anos, período que os investidores consideram baixo para obter o lucro desejado.
Com o afastamento temporário de Dilma após a aprovação do processo de impeachment no Senado, em maio, o vice Michel Temer assumiu a presidência interina. Uma das primeiras atitudes do ex-presidente foi criar um novo programa para cuidar da área de infraestrutura: Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O projeto criou uma secretaria e um conselho, assim como fez com que o Programa de Investimento em Logística (PIL) fosse encerrado.
O programa continua ativo no governo Bolsonaro. Nos três primeiros anos de atuação, completos no meio de 2019, um balanço sobre a atuação do PPI divulgou que 148 projetos foram concluídos nos primeiro triênio de atividades, incluindo 27 em portos, 16 em aeroportos e sete envolvendo óleo e gás. A previsão de investimentos é de R$ 262,1 bilhões.
Na mesma época, o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma lista de áreas da infraestrutura brasileira que seriam leiloadas para a iniciativa privada até o final do seu mandato, em 2022. A relação inclui 41 portos, 11 terminais portuários, mais de 15 mil quilômetros rodoviários e cerca de 2,4 mil quilômetros em novas ferrovias. A expectativa à época era atrair R$ 208 milhões com os contratos. O problema é que esse dinheiro deve entrar durante todo o período das concessões, que normalmente duram 30 anos.
Em 2020, a área de infraestrutura recebeu 3,5 bilhões de reais em investimento no primeiro semestre. A projeção era alcançar R$ 8 bilhões ao final dos doze meses, quantia 500 milhões inferior a 2019, que foi o ano com menor investimento da década.