Literatura do Realismo/Naturalismo: Diferenças de classe em foco
O filme Que Horas Ela Volta? expõe a tensa e frágil relação entre patrões e empregadas domésticas no país
“QUASE DA FAMÍLIA”. A atriz Regina Casé, em cena do filme Que Horas Ela Volta? Ela interpreta a empregada Val, que mora na casa dos patrões e tem a rotina alterada com a chegada da filha Jéssica.
O filme Que Horas Ela Volta? retrata a exploração da mão de obra doméstica no país, uma categoria até pouco tempo desprovida de direitos trabalhistas.
Estrelado por Regina Casé, o drama Que Horas Ela Volta? foi um dos longas brasileiros mais comentados de 2015. A história é centrada em Val, uma pernambucana que trabalha como empregada doméstica para uma família de classe média alta de São Paulo. Considerada “quase da família”, ela cuida do filho do casal como se fosse a própria mãe, dorme no quartinho dos fundos e aceita com resignação sua condição de submissão.
Essa dinâmica familiar é quebrada quando Jéssica, filha de Val que ficara em Recife, chega inesperadamente para fazer o vestibular em São Paulo. Inquieta e questionadora, a jovem, interpretada pela atriz Camila Márdila, passa a colocar em xeque regras tácitas que orientam a relação entre Val e seus patrões, revelando a artificialidade de uma estrutura alicerçada na separação de classes e na relação de dominação.
O filme, dirigido pela cineasta Anna Muylaert, foi assistido por cerca de 454 mil pessoas no país – e outro meio milhão no exterior. Eleito o melhor filme de 2015 pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), chegou a ser indicado pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro na edição 2016, mas acabou não sendo indicado ao prêmio.
Além de retratar uma realidade comum no país – a das empregadas domésticas, trabalhadoras consideradas por muitos de segunda classe e que até pouco tempo não tinham direitos assegurados pela legislação –, o filme toca numa ferida mais profunda. Ele escancara uma realidade que nem todos querem enxergar, a de um Brasil dividido entre ricos e pobres, brancos e negros e uma elite que desfruta de privilégios em oposição a uma massa popular que sobrevive como pode.
A situação dos empregados domésticos no Brasil e a noção de agregado – criado, aquele que vive numa casa como pessoa da família – lembra passagens de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, obra que inaugura o Realismo no país, em 1881. O autor chama atenção para a classe de serviçais, que não eram escravos nem do- nos de escravos, que viviam sujeitos aos favores e à exploração da classe senhoril. As diferenças entre as classes sociais brasileiras constituem um tema caro ao Re- alismo, cujos textos servem, muitas vezes, como instrumentos de denúncia das desigualdades sociais.