A dissertação “Brasil, mostra a tua cara” é bem feita, porque mostra uma boa compreensão do tema proposto “Brasil 500 anos”, a partir do qual o texto teria que ser escrito, que foi cobrado no vestibular de 1999 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As ideias presentes na dissertação realmente dizem respeito ao recorte temático proposto: fazer do momento de celebração de 500 anos de história brasileira um mote para uma reflexão, para um balanço de quem somos nós, enquanto nação, hoje.
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Atendendo a esse enfoque temático, o vestibulando optou por fazer um balanço negativo: o candidato trata da formação do Brasil e de como essa história de formação se relaciona – explicando, elucidando, esclarecendo, identificando – com o presente e com o futuro do país. Assim, o autor da dissertação faz um embasado balanço desfavorável: nossa identidade – miscigenada – é produto do modo como fomos “descobertos”, “colonizados”,” invadidos”.
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Argumentação da dissertação
Para fundamentar a sua reflexão, o estudante usa uma estratégia dissertativa diferente da maioria dos candidatos. O autor de “Brasil, mostra a tua cara” faz das frases curtas e, muitas vezes, nominais, ( “Suado, cansado e cheio de questões. Brasil brasileiro, Brasil, comprado, Brasil vendido, Brasil achado”) os “carros-chefes” de sua argumentação. Isso confere um ritmo ágil às suas ideias que vão formando uma teia de relações ascendentes; que vão, sucintamente, construindo uma boa e rica progressão argumentativa.
O vestibulando mostra como e porque a chegada dos europeus em terras brasileiras, aculturando (e, por consequência, descaracterizando) os índios desencadeou um processo de perda de identidade de um povo que, por ser nativo, levou à perda de identidade da nação como um todo. A esse processo de descaracterização da identidade brasileira foi se somando uma vasta diversidade, uma intensa miscigenação que, hoje, compõe e define a caracterização da nação brasileira; uma “caracterização descaracterizada”, em certo sentido, de acordo com a abordagem presente na dissertação.
No texto, há um tom crítico a essa diversidade, uma vez que esta nos foi imposta pelos europeus: “Brasil, comprado, Brasil vendido, Brasil achado”, diz o texto. Na teia argumentativa, essa diversidade imposta a um “Brasil comprado” explica erros (os políticos, inclusive) que se repetem, cinco séculos depois: “senhor de engenho, latifundiário; D. Pedro I, Antonio Carlos Magalhães; Companhia dos Índios, transnacionais; Império, ditadura; povo massacrado, povo massacrado”, argumenta.
Uso dos textos de apoio
Além da coletânea, é nítida, na dissertação, a presença de outras informações que compuseram a história de leitura, de educação do candidato, o que potencializa o poder argumentativo e confere propriedade, autoria própria, ao abordar o tema. As referências e influências “extra-coletânea” são nítidas: “Brasil positivista: Ordem e Progresso. Brasil “existencialista”: O inferno são os outros, os estrangeiros que invadem nossa economia. Brasil de cultura e costumes impostos, importados de elite multicolorida que veste verde amarelo”.
Uso da linguagem
A linguagem – padrão, clara, coesa e coerente – é mais um dos vários pontos positivos do texto “Brasil, mostra tua cara” que, pelo tipo de reflexão engendrada pelo vestibulando, leva-nos a supor ser esta face oculta pouco animadora, quase nada bonita.
* Texto feito pela professora Lilica: Liliane Negrão Pinto – professora de Redação do Curso e Colégio Oficina do Estudante – Campinas/SP