“Timbuktu” é dica de filme para entender o extremismo
Filme revela as mudanças impostas por fundamentalistas islâmicos nessa cidade histórica do Mali
“Onde está Alá em tudo isso?”, questiona um líder religioso local a um dos jihadistas que ocupam a cidade de Timbuktu, no filme homônimo. O longa-metragem, uma coprodução da França e da Mauritânia, é dirigido por Abderrahmane Sissako e foi o mais premiado com o Cesar 2015, prêmio francês equivalente ao Oscar norte-americano, depois de receber também um prêmio no Festival de Cannes. Formado por diversas pequenas histórias, o filme mostra o cotidiano da população dessa cidade do Mali, ex-colônia francesa no oeste da África, que se vê acuada e amedrontada pelas restrições e punições impostas pelos fundamentalistas islâmicos do grupo Ansar Dine.
Os invasores impõem mudanças em aspectos cotidianos e culturais dos moradores da cidade. Em nome de Alá, quase tudo é proibido: não se pode fumar, não se pode jogar futebol, não se pode cantar. Além disso, passam a fazer parte do cotidiano da população o véu obrigatório para mulheres, a punição com chibatadas e a condenação à morte por apedrejamento.
No centro da narrativa estão o pastor de gado Kidane e sua família, que vivem em tendas no deserto, afastadas da cidade. Ele é condenado à morte após se envolver em uma briga na qual morre um pescador. Kidane e outros personagens passam a questionar a violência cometida em nome de Deus. Esse questionamento transparece como uma mensagem do próprio diretor, que expõe o extremismo sem, no entanto, criticar o islamismo. O resultado é um filme mais humanístico do que político.
O filme é inspirado em um fato real, que se tornou também uma das passagens do longa. Em 2012, um casal foi apedrejado até a morte por terem um filho, mas sem serem casados oficialmente. Em entrevista, o diretor afirmou que esse episódio não teve muita repercussão, o que o moveu a fazer Timbuktu. “Recebi como uma manifestação de indiferença do mundo ao terrorismo.”
Timbuktu é uma cidade de importância histórica, tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade em 1998, invadida em 2012 pelo grupo islâmico Ansar Dine, que domina outras cidades do norte do Mali. Eles se aliam aos tuaregues, povo nômade da região, e juntos proclamam a independência do Azaward (que compreende Timbuktu, Kidal e Gao). Quando o Ansar Dine impõe a sharia, os tuaregues não a aceitam e ambos passam a se combater.
Nesse mesmo ano, o presidente do Mali é deposto por um golpe militar. Em 2013, preocupada com as minas de urânio que explora no país vizinho, o Níger, a França envia tropas militares para combater os fundamentalistas no Mali, que permanecem no país no início de 2015. Nesse cenário de insegurança, o filme não pôde ser gravado no Mali, e as filmagens ocorreram na Mauritânia. O mesmo cenário de insegurança faz de Timbuktu um filme de força política e um apelo por atenção da comunidade internacional.
Timbuktu
Direção: Abderrahmane Sissako
Ano: 2014