A segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a prisão preventiva de diversos réus na Operação Lava Jato, neste início de maio de 2017. Entre eles está o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, que já foi condenado em dois processos relacionados à operação, mas ainda recorre às sentenças. Outro réu solto foi o empresário Eike Batista, preso desde janeiro. O placar no caso de Dirceu foi de 3 a 2.
O instrumento pelo qual os ministros concederam a liberdade a Dirceu e outros réus foi o habeas corpus, sobre o qual você já deve ter ouvido falar. Trata-se de uma das formas que réus encontram para evitar a prisão. Vamos entender o que é e por que existe esse tipo de ação.
Conceito
O habeas corpus é um instrumento previsto na Constituição de 1988. Trata-se de um dos remédios constitucionais, como são chamados instrumentos que visam a garantir algum direito fundamental do indivíduo.
Ele pode ser acionado sempre que alguém sofrer ou se sentir ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. É o que diz o inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição. Em outras palavras, o habeas corpus é uma forma de prevenir ou anular a prisão arbitrária, feita por motivos outros que não o estrito cumprimento da lei.
O Código de Processo Penal, entre os artigos 647 e o 667, estabelece praticamente tudo o que diz respeito a este remédio.
O instrumento tem origem na antiga common law inglesa, ainda no século XII, e hoje está presente nos ordenamentos jurídicos de diversos países (Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, boa parte da Europa, Paquistão, Filipinas, etc).
Habeas corpus preventivo e liberatório
O habeas corpus pode ter duas formas, concedido em duas situações distintas:
Habeas corpus liberatório: é o mais comum, utilizado nos casos julgados recentemente pelo STF na Lava Jato. Basicamente, ele é usado depois que o cidadão já teve sua liberdade restringida, por exemplo por meio de prisão preventiva. Se o tribunal ou juiz considerar que a prisão não tem justificativa ou possui alguma ilegalidade, a pessoa é solta.
Habeas corpus preventivo: quando ainda existe apenas uma ameaça ao direito. Nesse caso, qualquer pessoa física que se achar ameaçada de sofrer lesão a seu direito de locomoção tem direito de fazer um pedido de habeas corpus. Essa pessoa é chamada de “paciente” no processo. O acusado de ferir seu direito é denominado “coator”.
Quem pode fazer um habeas corpus?
As leis brasileiras garantem que qualquer cidadão pode impetrar uma petição de habeas corpus. Para fazer isso, basta elaborar o documento contendo o nome da pessoa que sofreu a coação ou ameaça, a espécie de constrangimento sofrida ou as razões pelas quais se sente ameaçado e a assinatura (tudo isso está no CPP, Art. 654, § 1o).
É um direito tão amplamente garantido que até a presença de um advogado é dispensável (ainda que possa ser desejável). O Ministério Público também se encarrega de elaborar pedidos de habeas corpus em favor de cidadãos.
E ainda tem mais: a própria Constituição garante que as ações de habeas corpus são gratuitas. Portanto, são poucos os obstáculos para o uso desse instrumento.
Por que o STF decide a favor de habeas corpus em casos da Lava Jato?
A decisão dos ministros do STF de soltar José Dirceu e outros réus da Lava Jato foi criticada por procuradores e magistrados da força-tarefa. Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador regional da República, afirmou que a concessão do habeas corpus é uma forma de “destruição lenta” da operação. Já o procurador Deltan Dallagnol considerou a medida incoerente, já que em outros casos menos graves que o de Dirceu o habeas corpus não foi concedido pelo Supremo.
A principal queixa dos ministros em relação aos casos da Lava Jato é o amplo uso da prisão preventiva, medida processual adotada contra vários réus. Em muitos casos, o réu é mantido preso de forma indefinida, medida da qual discordam alguns ministros. No julgamento do habeas corpus de Dirceu, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que manter a prisão preventiva indefinidamente seria uma forma de antecipar o cumprimento da pena. Já o ministro Dias Toffoli sustentou que a prisão deve ser a última medida processual a ser adotada.
“Uso excessivo”
Outra crítica recorrente ao habeas corpus são supostos excessos em seu uso. Como é de fácil elaboração, ele tem sido usado mesmo quando não tem qualquer cabimento. Em 2011, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp criticou o que classificou como uso indiscriminado do remédio constitucional, afirmando que esse quadro poderia levar à perda de credibilidade do habeas corpus.
E é claro, também existem casos muito inusitados, como você pode conferir nessa lista elaborada por Paula Argolo.
Por outro lado, o habeas corpus continua a ser defendido como um instrumento fundamental contra situações em que as autoridades públicas restringem ilegalmente a liberdade de ir e vir dos indivíduos.
Referências: Istoé: procurador da Lava Jato critica decisão do STF – Conjur: Gilson Dipp critica uso indiscriminado do habeas corpus – G1: segunda turma do STF solta José Dirceu – JusBrasil: é necessária presença de advogado para impetrar habeas corpus?