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Entenda: cultura como política pública

Ela é discutida a nível supranacional, como pode ser visto através de organizações e documentos internacionais

Por Samira Chedid, do Politize!
Atualizado em 31 jul 2018, 12h03 - Publicado em 5 jun 2018, 15h45
Entenda: cultura como política pública
(Politize!/Politize!)

Quando pensamos em cultura, logo surgem diversas relações em nossa mente: a cultura como belas artes (música, teatro, cinema, dança), modos de vida e costumes regionais ou nacionais, patrimônio histórico. Também vem à mente a ideia da pessoa culta: aquele indivíduo que detém amplo conhecimento sobre variados assuntos.

De fato, todos esses aspectos – e muitos outros – fazem parte do que se entende por cultura. São símbolos passados de geração em geração e incorporados aos costumes dos grupos sociais, cada qual a seu modo.

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura) formulou a seguinte definição de cultura:

[…] o complexo integral de distintos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Ela inclui não apenas as artes e as letras, mas também modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças. (UNESCO, 1982, p.1).

Nesse sentido, a cultura pode ser vista por variados ângulos pois é um conceito amplo e que abrange diversos significados. No tópico abaixo, vamos tratar de um deles: a cultura como política pública, inserida na perspectiva cidadã.

CULTURA COMO DIREITO E CIDADANIA E CULTURA COMO POLÍTICA PÚBLICA

Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), concebe-se a cultura como um direito a ser preservado. Desse modo, observa-se que a cultura é discutida a nível supranacional, como pode ser visto através de organizações e documentos internacionais.

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Em 2004, foi elaborado um documento chamado Agenda 21 da Cultura, visando o comprometimento dos governos locais no que diz respeito ao desenvolvimento cultural e assim formular políticas públicas de cultura. O foco da Agenda 21 é a descentralização de tais políticas e de seus recursos.

O documento traz a recomendação de que as nações destinem no mínimo 1% de seu orçamento nacional para a cultura. Ademais, dá-se prioridade aos setores considerados com grande vulnerabilidade social e econômica.

Houve também a realização de conferências e fóruns internacionais a respeito do tema, organizados pela UNESCO. Além disso, a ONU, no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004, inclui o acesso à cultura como um importante indicador na avaliação da qualidade de vida das sociedades.

Em âmbito nacional, a Constituição de 1988 afirma: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Desse modo, todo cidadão brasileiro deve ter direito à cultura.

Aproximadamente trinta anos após este artigo ser inserido na Constituição, a cultura está disponível para quem? Será para aqueles com baixos recursos financeiros? Ou para cidades do interior fora dos grandes eixos de produção cultural? E os portadores de deficiência, conseguem visitar teatros, museus e centros históricos sem estrutura adaptada? Todas as formas culturais possuem seu espaço?

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Sabemos que muitas vezes a resposta a essas questões é não. Por essa razão, é primordial se falar em cidadania cultural e na democratização do acesso à cultura em todas as suas dimensões, sem preconceitos.

Seja erudita ou popular, belas artes ou não, a cultura precisa ter espaço para se manifestar em suas diferentes formas.

Logo, todos, sem distinção devem ter seus direitos culturais preservados e garantidos institucionalmente. Nesse sentido, é imprescindível valorizar e divulgar a nossa cultura e as culturas com que nos identificamos, mas acima de tudo respeitar aquelas que nos parecem diferentes.

O QUE SÃO POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS?

Entenda: cultura como política pública
(filipefrazao/iStock)

A partir do que foi apresentado até aqui, o que significa, afinal, “ter cultura”? Se já construímos relações culturais em nosso cotidiano, por que é preciso que haja garantias institucionais nessa área? Ou seja, qual a necessidade de leis e políticas públicas para a cultura?

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Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que é a sociedade que produz cultura. O Estado possui outro papel: o de estabelecer mecanismos de preservação e incentivo cultural, o que significa dispor de recursos e instrumentos criados com a participação da sociedade como um todo.

Podemos aqui mencionar a França, vista como o berço das políticas culturais e o primeiro país a criar um ministério exclusivo para o setor, o Ministère des Affaires Culturelles, criado em 1959. (VASCONCELOS-OLIVEIRA, 2016; NIVON BOLAN, 2006).

No caso do Brasil, o percurso das ações culturais públicas iniciou-se na década de 1930, durante a Era Vargas. Nesse período, o objetivo era construir um sentimento de “brasilidade”, isto é, exaltar o que é tipicamente brasileiro.

Para isso, foram fundadas instituições como o Conselho Nacional de Cultura e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).

No entanto, até então, cabia ao Ministério da Educação e Saúde (MES) a responsabilidade de gerir a área cultural. Somente em 1953 este ministério se desfaz, surgindo então o Ministério da Educação e Cultura, sob a gestão de Gustavo Capanema.

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Embora a criação de um ministério com estrutura voltada à cultura tenha sido um avanço, foram poucas as ações do Estado na área, cabendo à iniciativa privada a maior parte das realizações no campo cultural.

No período seguinte, durante o regime militar, despontou-se a ideia de elaboração de um Plano Nacional de Cultura (1975). Porém, devido ao contexto político da época, logo a proposta foi desfeita e o Plano não chegou a ser aprovado.

Passada a ditadura, com a redemocratização, finalmente criou-se o Ministério da Cultura (MinC), exclusivamente dedicado ao setor cultural.

Contudo, a gestão da área continuou a ser tímida, e o MinC foi desfeito em 1990, no governo Collor. Após dois anos, foi refeito. Porém, sofreu com incessantes trocas de ministros, o que revelava a instabilidade da área.

No fim do século XX e início do século XXI, observa-se que a cultura adquire uma maior estabilidade e há avanços como, por exemplo, a criação de leis de incentivo fiscal.

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Outro ponto primordial que merece destaque é a formulação do Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010), que permite a continuidade de políticas culturais institucionalizadas de forma plurianual.

Dessa forma, independentemente das mudanças no governo, o plano deve ser implementado e avaliado ao longo de dez anos. Trata-se de uma garantia constitucional (Emenda Constitucional Nº48/2005).

Nesse sentido, para que o Plano Nacional de Cultura seja colocado em prática, foi criado o Sistema Nacional de Cultura (SNC), composto por: Órgão Gestor de Cultura, Conselho de Política Cultural, Conferência de Cultura, Plano de Cultura, Sistema de Financiamento à Cultura, Sistema Setoriais de Cultura, Programa de Formação Cultural, Sistema de Informações e Indicadores Culturais, além da Comissão de Intergestores (nível federal e estadual).

Essa organização sistêmica possibilita a articulação entre Estado, sociedade civil e representantes das áreas culturais.

Além disso, ao olhar para as políticas culturais, é importante ressaltar dois elementos: a política de eventos culturais e a política cultural stricto sensu. E qual é a diferença?

A política de eventos se refere a ações pontuais e específicas de produções culturais, como prêmios, bolsas e festivais por exemplo. Por outro lado, estas ações podem ocorrer de modo descontínuo e é aqui que se insere a política cultural stricto sensu. Estas visam criar e incentivar os meios para que as atividades culturais se desenvolvam e assim proporcionem o acesso aos bens culturais por todos os indivíduos. Assim, as duas formas se complementam (BARBOSA DA SILVA, 2007).

Tendo em vista o que foi apresentado até aqui, observa-se que gradativamente o campo das políticas culturais vem crescendo no Brasil e no mundo.

Contudo, ainda é uma área que precisa de maior atenção, a exemplo da extinção-relâmpago do Ministério da Cultura em 2016, quando da instalação do governo de Michel Temer.

Em suma, essas idas e vindas nas ações culturais e no MinC são muito prejudiciais, já que obstruem o desenvolvimento pleno das políticas culturais como um todo.

Referências

Frederico A. Barbosa da Silva: “Política Cultural no Brasil, 2002-2006: acompanhamento e análise” (2007) – Eduardo Nivon Bolan: “La política cultural: temas, problemas y oportunidades” (2006) – ONU: “Relatório do Desenvolvimento Humano 2004: Liberdade Cultural num mundo diversificado” (2004) – UNESCO: “World conference on cultural policies” (1982) – Maria Carolina Vasconcelos Oliveira: “Cultura e Estado” (2016)

Este artigo foi publicado originalmente no Portal Politize

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