Em meio ao aumento nos casos de Covid-19 no país – e a corrida pela vacina –, uma nova preocupação atinge a comunidade científica. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta oficial nesta terça-feira (8) sobre um possível primeiro caso de Candida auris no Brasil. O “superfungo” seria resistente aos principais medicamentos antifúngicos, não é identificável através de métodos tradicionais e pode causar infecções fatais.
Segundo o comunicado da Anvisa, variações do C. auris são “resistentes a todas as três principais classes de fármacos antifúngicos”, apresentam resistência a diversos desinfetantes e têm alta probabilidade de “causar surtos em decorrência da dificuldade de identificação oportuna pelos métodos laboratoriais rotineiros e de sua eliminação do ambiente contaminado.”
A descoberta foi informada à agência na segunda (7), após a suspeita ser confirmada por meio de uma amostra coletada de um paciente internado por complicações da Covid-19, na Bahia, no dia 4.
A amostra foi analisada pelo Laboratório Central de Saúde Pública Profº Gonçalo Moniz (Lacen-BA), em Salvador. Após confirmação da suspeita, o material foi enviado para o Laboratório da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), que, desde 2017, estuda possíveis casos de C. auris no Brasil..
Uma ação de prevenção de contágio está sendo realizada no hospital onde o fungo foi encontrado e uma investigação epidemiológica foi encomendada pelo Estado e o município de Salvador para “verificar se existe a contaminação de outras pessoas do serviço de saúde.”
Resistência acima da média
De acordo com a Anvisa, a maior preocupação com o C. auris seria a sua alta resistência. Desinfetantes e detergentes comuns não são suficientes para eliminá-lo, e apenas produtos de limpeza hospitalar se mostraram competentes na missão. O fungo sobrevive em superfícies durante um longo período e pode também ser transmitido de pessoa para pessoa.
Em uma pesquisa de 2017 o pesquisador e infectologista Alessandro Pasqualotto, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, constatou que apenas 10% dos laboratórios dos principais centros médicos da América Latina têm capacidade de detectar doenças invasivas originárias de fungos, como o C. auris. A pesquisa foi feita após uma análise de 130 laboratórios.
As análises prévias de DNA desse fungo indicam, ainda, que os genes que promovem a resistência ao C. auris têm passado para outras espécies. O principal exemplo é a variação Candida albicans (C. albicans), um dos principais causadores da candidíase.
O aumento de fungos, vírus e outro microrganismos que se mostram resistentes aos principais recursos da medicina atual preocupa a comunidade científica.
De acordo com os números do Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), as infecções resistentes a medicamentos são responsáveis por cerca de 2 milhões de casos e levam a 23.000 mortes nos Estados Unidos por ano.
Um texto publicado no site do CDC explica que “as bactérias são especialistas em se adaptar aos medicamentos usados para matá-las. Quando um tratamento com antibióticos falha ou não é concluído, esses seres vivos podem voltar com força total – e querendo vingança”. Casos de doenças que não eram preocupações há décadas têm assombrado o século XXI, como gonorreia, sífilis e tifo.
Alguns cientistas defendem ainda que as mudanças climáticas e o uso de excessivo de agrotóxicos podem ter relação direta com o surgimento de novas pestes super-resistentes. “Em geral, um aumento nos níveis de temperatura e precipitação favorecem o crescimento e a distribuição da maioria das espécies de pragas, proporcionando um ambiente quente e fornecendo a umidade necessária para seu crescimento”, disse Tek Sapkota, cientista agrícola e de mudanças climáticas do Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT).
Uma reportagem da revista Saúde explica as estratégias das bactérias para “escapar” do alcance dos antibióticos.
Histórico do Candida auris
O alerta internacional para o contágio da Candida auris na América Latina foi feito em outubro de 2016 pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A OPAS publicou um alerta epidemiológico recomendando que os governos dos países latinos tomassem medidas preventivas e de controle para evitar um possível surto, após uma série de casos, isolados, mas significativos, no continente americano. O primeiro ocorreu na Venezuela, entre 2012 e 2013, quando 18 pacientes foram infectados.
Já o primeiro caso do mundo foi identificado em 2009, no canal auditivo de um paciente no Japão. De lá para cá, o surto com mais infectados até agora foi em Londres, em 2012, com 22 pacientes.
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