Em junho, a BBC Brasil contou a história de Callum O’Dwyer, um escocês de 28 anos, que continuou passando mal doze semanas depois de ter os primeiros sinais de covid-19. De lá para cá, mais relatos e matérias abordaram sintomas persistentes em já recuperados da doença. Em outubro, o candidato à prefeitura de São Luís (MA), o ex-juiz federal José Carlos do Vale Madeira (Solidariedade), desistiu de concorrer ao cargo por causa das sequelas deixadas pela covid-19, como mostra a reportagem do UOL.
Não são casos isolados ou exceções. Um estudo do Centro de Controle de Doenças Americano (CDC), que entrevistou 292 adultos acima de 18 anos durante o período de 15 de abril a 25 de junho de 2020, apontou que nove em cada dez infectados pela covid-19 ainda sentiam reflexos da contaminação entre 14 a 21 dias após a data do teste que deu positivo. Entre os sintomas prolongados mais comuns estão fadiga intensa, fraqueza, dor no corpo e déficits cognitivos. Problemas emocionais e psicológicos também merecem atenção.
Essa condição passou a ser conhecida como “síndrome pós-covid“, com variações como “covid persistente”.
“A síndrome pós-covid é um nome que foi dado para compreender o conjunto de sinais e sintomas que observamos de forma persistente nos pacientes depois da apresentação aguda da doença”, explica Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Oswaldo Cruz.
O especialista explica que o grupo de risco (idosos, diabéticos, obesos) é mais suscetível a apresentar sintomas depois da recuperação, assim como tem maior chance de manifestações mais graves da doença. No entanto, pessoas saudáveis e fora do grupo, como é o caso do escocês Callum, também podem ter o problema.
Outro agravante é a internação prolongada em UTI, o que tem acontecido bastante nos casos mais graves da doença. A sedação e a intubação necessárias em alguns casos podem desencadear problemas depois da alta.
O médico ressalta que o termo “síndrome pós-covid” é uma descrição muito recente na literatura médica e ainda não há dados consolidados e volumosos sobre as sequelas a longo prazo.
Mas por que alguns sintomas podem permanecer?
Quando o coronavírus entra no organismo, ele ativa o sistema de defesa, que começa a trabalhar para reconhecer o agente nocivo e produzir os anticorpos para combatê-lo. Segundo especialistas, leva de uma a quatro semanas para o organismo conseguir neutralizar e eliminar o vírus. A velocidade dessa resposta imune depende das características genéticas e de saúde de cada um. Em todos os casos, o vírus deixa de ser transmissível depois de duas semanas. Os sintomas, entretanto, não se concentram só nesse período.
Prado explica que quem é infectado sofre duas agressões: inicialmente acontece a agressão direta do vírus, que invade a célula, depois a nossa resposta imunológica, que pode ser exacerbada e acabar trazendo danos também.
“Com a sobreposição dessas duas vias de agressão dos nossos órgãos durante a infecção, podemos ter sintomas mais ou menos persistentes e, algumas vezes, até sequelas mais permanentes”, afirma o pneumologista.
Estudo e mais estudo
Há diversas pesquisas em andamento no Brasil e no exterior com pacientes voluntários que foram diagnosticados com a doença, para avaliar e entender as possíveis sequelas decorrentes da covid-19.
O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que chegou a ter quase 900 leitos exclusivos para a covid e 300 leitos de UTI, desde março, início da pandemia, vem acompanhando os pacientes que receberam alta para saber a história natural da doença – entender o que acontece com o paciente depois do diagnóstico.
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Carlos Carvalho, professor e diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do HCFMUSP, conta que recentemente deram início a uma avaliação dos danos de seis meses após a alta de pacientes.
“Temos os dados da internação e agora vamos ver o que restou de sintomas e problemas relacionados ao que eles tiveram no hospital. Se essas alterações persistirem, principalmente depois de 12 meses, isso vai ser caracterizado como sequela do coronavírus. Se reverter, serão apenas alterações transitórias que foram sumindo”, afirma Carvalho.
O médico conta que, até o momento, algumas alterações já foram dadas como reversíveis, como problemas de paladar e olfato, mas outras ainda estão sendo investigadas.
“A história natural desse vírus ainda está para ser contada. E nós estamos trabalhando para ajudar a contá-la”, conclui.
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