Fim de ano é aquela coisa: presentes, festas, churrascos, panetones e cansaço. Muito cansaço! A pandemia mudou radicalmente as nossas vidas e com 2022 já batendo na porta, olhar para trás e ver os setecentos e tantos dias que foram os últimos dois anos não é uma tarefa fácil. Hoje, depois de muitas reuniões virtuais e oscilações entre momentos de esperança e desolação, um sentimento parece prevalecer entre todos os navegantes: o cansaço.
Afinal, quem diria que viver um momento histórico fosse tão exaustivo assim? A pandemia da Covid-19 mudou nossa forma de viver e nos colocou em situações que antes pareciam pertencer a uma sátira de ficção científica. 2020 e 2021 testaram a capacidade humana de assimilar uma quantidade acima da média de acontecimentos, informações e mudanças na rotina. É como se estar exausto neste fim de ano seja além de normal. Seja esperado. Seja… humano.
2021 está chegando ao fim… e agora?
“Imagine que você está em uma maratona e começa a enxergar a linha de chegada. Talvez sejam os metros mais exaustivos aqueles do trajeto final”, diz o psicólogo Rafael Di Matteo, especialista na psicoterapia de crianças a adultos, em entrevista ao GUIA. “Assim como a musculatura do corpo, a mente possui uma quantidade limitada de energia, que é deslocada para as diversas atividades e preocupações com que viemos lidando durante um ano inteiro. Em dado momento, atingimos o esgotamento mental e é necessário tirarmos alguns dias de descanso”.
As semanas finais de um ano podem ser vistas como o encerramento de um ciclo. É comum nessa época que as pessoas reflitam com uma certa autocobrança sobre as metas que não puderam atingir. Com a pandemia da Covid-19, esse sentimento pode ser agravado com o abandono de objetivos ou planos pessoais por causa do isolamento. O psicólogo explica que fazer essa reflexão sem levar em conta o contexto do ano todo pode ter uma influência direta na autoestima, principalmente, se partir de comparações e gatilhos.
“Culturalmente, é criada uma ambientação de expectativa por mudanças, de renovação das esperanças, revisão das metas e objetivos. Mas a saúde mental não é secundária à pandemia, ambas devem existir paralelamente”, afirma Di Matteo.
Para os estudantes se preparando para o vestibular, o momento pode ser ainda mais estressante. A aproximação das principais provas, geralmente realizadas antes do fim de ano, contribui para o aumento da ansiedade, da cobrança e da pressão – que pode tanto partir de terceiros como de si próprio. Em 2020, por exemplo, as alterações na data de vestibulares como o Enem e a Fuvest, mudaram o esquema de estudos e aumentaram o o efeito de ansiedade, ao prolongá-la até os primeiros meses de 2021.
“O indivíduo que se desenvolveu nesse contexto pode interpretar a virada de um ano como uma possibilidade de sustentar a esperança por dias melhores, e a esperança é sabidamente um aspecto fundamental para um estado mental mais positivo”, afirma Di Matteo. Mas, ainda assim, não é uma tarefa fácil. O psicólogo explica que o clima de instabilidade política, a crise financeira e a polaridade social que assombra o país já há anos têm um peso, e o isolamento social resultado da pandemia veio para ser a cereja do bolo.
“Do ponto de vista psicológico, o isolamento compulsório é um agravante para a fadiga mental.” O convívio com outros seres humanos consegue fazer com que as preocupações e os sentimentos negativos sejam diluídos mais facilmente durante a rotina. Ele defende que a distração por meio da interação social, seja uma conversa no almoço, um bate papo no intervalo entre as aulas, ou até uma interação no transporte público, funciona como uma ferramenta que minimiza os impactos do estresse e das frustrações da vida. “Para muitas pessoas, é uma estratégia praticamente instintiva convocar a presença de outro ser humano para desviar-se de uma emoção inadequada ou partilhá-la de maneira mais saudável.”
Cansaço à distância
Com as aulas remotas, os trabalhos no formato home office e as ligações em videochamadas como a única forma de comunicação para muitos, o cérebro não teve muita opção a não ser se sentir exausto. A busca por práticas que auxiliem a saúde mental cresceu nos principais mecanismos de pesquisa. Em 2020, no Google, pesquisas como “brincadeiras para fazer em casa” ou “como fazer meditação” figuram na lista dos tópicos mais pesquisados pelos brasileiros.
A psicóloga Fernanda Machado Torres de Menezes, especialista em psicotrauma e em psicoterapia com casais, famílias e grupos, explica para o GUIA que o conceito de saúde vai muito além da parte física do corpo, e envolve, na mesma medida, o cuidado com a mente. “Saúde tem a ver com qualidade de vida! É garantir o bem-estar físico, psíquico e social. Se estou gripada, isso tem um impacto no meu humor e também na forma como me relaciono com as pessoas ao meu redor”, afirma.
Uma pesquisa de junho de 2020, encomendada pela BBC Worklife, constatou que o fenômeno conhecido como “fadiga do Zoom” é mais comum do que parece. A sensação de que as aulas e reuniões feitas à distância são mais cansativas do que as presenciais não é mera impressão. De acordo com a pesquisa, o principal causador de cansaço nesse formato seria a falta da linguagem corporal, que é identificada com facilidade quando se está frente a frente. Mesmo que a reunião seja em vídeo, o atraso nos movimentos e na fala por causa da velocidade da conexão, a falta de um olho no olho genuíno e a dificuldade de saber que horas se deve ou não falar proporcionam um maior gasto de energia na hora de se reunir virtualmente.
Além disso, os dados da pesquisa relatam que, para pessoas mais tímidas, a dificuldade aumenta nesse formato de comunicação, proporcionando sentimentos de exposição, ansiedade e vulnerabilidade. Como se, ao falar em uma reunião de vídeo, se estivesse em um palco de frente para uma audiência ávida por alguma apresentação.
Não é coincidência, portanto, que um ano que obrigou cada um a se isolar dentro de casa e transferir todos os aspectos sociais da vida para o meio digital tenha resultado em sentimentos de solidão, cansaço e desesperança. O distanciamento e a transição para trabalho e estudo remotos têm um impacto significativo na saúde mental. Tudo isso, ainda, pode ser traduzido por um outro sentimento: o estresse.
“Acredito que seria mais acertado afirmar que o estresse é o principal responsável por esse cansaço. Porque cada um tem o seu contexto frente à crise. O constante esforço físico, psíquico e social para nos adaptarmos para a realidade da pandemia é o grande responsável para nos sentirmos exaustos”, explica Menezes.
Como lidar com esse acúmulo de estresse?
Vittoria Pagotto, 22, é vestibulanda de medicina e experimentou na pele todo o estresse de prestar prova num ano tão caótico quanto foi 2020. “Sinto como se a pandemia tivesse me colocado diariamente para fora da minha zona de conforto. Tive que substituir toda a minha forma de estudar e aprender o conteúdo sem a presença física dos professores e dos amigos.” Ela conta que, ao se isolar e decidir por manter os estudos, pensou que seria mais fácil.
“O vestibular já é um processo cansativo por si só. Chega nessa época já está todo mundo desgastado e cansado. O que tentei fazer todos os dias é ser gentil comigo mesma. Tentei reconhecer que prestar vestibular já é um ato de coragem, e só de insistir nesse sonho em um ano como 2020 já foi uma vitória”. A jovem ainda alerta para os que estão na mesma situação: “Não adianta esperar os mesmos resultados de uma época pré Covid-19. Temos que levar em conta o contexto.”
Perguntados pelo GUIA, os dois psicólogos dão dicas para encontrar uma maneira de se manter menos cansado na reta final do ano:
- Ter cuidado com a alimentação e o sono;
- Se preocupar com o lazer e praticar atividades físicas;
- Estabelecer uma rotina que seja flexível e ao mesmo tempo permita foco e momentos de revisão;
- Diminuir o tempo de tela e usar as redes sociais de forma mais equilibrada;
- Procurar rituais de relaxamento personalizados ou práticas de mindfulness e meditação;
- Conversar todos os dias com os amigos e familiares;
- Se necessário, procurar o acompanhamento de um profissional de saúde mental;
O importante é não esquecer que o descanso mental é tão importante quanto o estudo organizado e constante. Uma cabeça fadigada é incapaz de agregar conhecimento. E acelerar o passo exatamente no final da maratona pode apenas cansar mais e acabar impedindo cruzar bem a linha de chegada.
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