Estudantes brasileiros enfrentam, desde o início da pandemia, uma situação sem precedentes que pode ter resultados catastróficos para a educação no país. Evasão escolar, possível elitização do ingresso no Ensino Superior em 2021, defasagem no aprendizado e, é claro, risco de contaminação na retomada das aulas por falta de infraestrutura e investimento são apenas alguns dos elementos que marcam esse debate.
E é por tudo isso que uma declaração do ministro da Educação, Milton Ribeiro, causou tanta mobilização no final do mês passado. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o chefe da Pasta justificou que não caberia ao MEC posicionar-se sobre a volta às aulas no Ensino Básico porque, segundo ele, quem tem jurisdição quanto ao assunto são Estados e municípios.
Além disso, Ribeiro minimizou o problema de falta de acesso a internet e/ou a equipamentos eletrônicos, afirmando que “esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil” e que “a sociedade brasileira é desigual e não é agora, por meio do MEC, que vamos conseguir deixar todos iguais”. Quando questionado se não seria papel da Pasta trabalhar para diminuir essas desigualdades, afirmou que seria apenas “em termos”. Será mesmo?
Entenda, afinal de contas, como funciona o Ministério da Educação, quais são suas atribuições e o que ele poderia estar fazendo ou não pela educação em tempos de pandemia.
As competências gerais do MEC, segundo o próprio MEC
Criado em 1930, logo no início da Era Vargas, o Ministério da Educação passou por significativas mudanças nos últimos 90 anos. Esteve unificado com a área da saúde, esporte, meio ambiente e até cultura por muito tempo – daí o “C”, inicialmente de Cultura, da sigla MEC. Foi somente em 1995 que o Ministério da Educação pôde, finalmente, ser apenas da Educação.
E é claro que em uma trajetória tão longa assim, as atribuições e competências da Pasta sofreram alterações: em 1961, por exemplo, a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação deu mais autonomia aos Estados e municípios e descentralizou um pouco o poder do MEC. Outras mudanças foram mais recentes, como o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019, que remodelou a estrutura regimental do ministério, excluindo algumas secretarias.
Mesmo com tudo isso, as competências gerais do Ministério da Educação continuam a ser muitas e essenciais para a gestão dessa área, que representa ao mesmo tempo um direito constitucional dos cidadãos e uma oportunidade de desenvolvimento para o país. Como informa o próprio MEC em seu portal, essas competências estendem-se aos seguintes assuntos:
- A política nacional de educação, da educação infantil à educação em geral, compreendendo o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, o Ensino Superior, a educação de jovens e adultos, a educação profissional, a educação especial e a educação a distância;
- A avaliação, informação e pesquisa educacional;
- A pesquisa e extensão universitária;
- O magistério;
- A assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seus filhos ou dependentes.
Para acompanhar todos estes temas, o Ministério da Educação tem divisões internas entre secretarias, institutos e órgãos colegiados diretamente subordinados ao ministro da Educação, bem como entidades que possuem relativa autonomia como as autarquias (como o Inep), fundações e empresas públicas. Por meio dessas divisões, é possível colocar uma lupa sobre grandes temas, como a política nacional de educação, e subdividi-lo em assuntos mais específicos e que merecem atenção exclusiva.
Quer um exemplo? A Secretaria de Educação Básica dedica-se especificamente a questões como a promoção da melhoria da qualidade do ensino nessa fase, atentando-se a questões de acesso, permanência, aprendizado e equidade. Ela deve, em tese, liderar a formulação de políticas públicas para a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos. E assim segue com todas as outras cinco secretarias.
“Esse não é um problema do MEC”. Não é mesmo?
Basta analisar algumas das atribuições da Secretaria de Educação Básica para entender que, ainda que os Estados e municípios tenham ganhado certa autonomia para tomar decisões sobre isolamento e quarentena durante a pandemia, o MEC deveria, sim, ao menos auxiliar na formulação de políticas públicas educacionais neste período. E elas deveriam ser pensadas também em nível Básico, e não apenas para aquelas instituições diretamente sob a alçada do governo federal, como as universidades federais – as únicas que estão recebendo algumas ajuda do Ministério da Educação na volta às aulas.
Na semana em que concedeu a entrevista ao Estadão, o ministro Milton Ribeiro afirmou que um protocolo de biossegurança para o retorno das aulas no Ensino Básico estava sob formulação e sairia nos próximos dias. Até o momento, nada foi divulgado.
Conectividade
A questão do acesso à internet e a equipamentos eletrônicos, bem como a preparação dos professores para lidar com as tecnologias, também deveria ser uma preocupação do MEC. Explicamos por quê. Como já mencionamos em um outro texto por aqui, pesquisas revelam que 71% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet, mas isso é concentrado nas classes A, B e C. A partir da D, cai para 50%. Reflexo, é claro, de uma sociedade desigual.
Mas a partir do momento em que as aulas passaram a ser ministradas online, este deixou de um problema “genérico” de desigualdade no país para tornar-se um problema que compete diretamente ao MEC, já que afeta a educação. Lembra que a Secretaria de Educação Básica deveria se atentar para questões de acesso, permanência, aprendizado e equidade? Pois é, a falta de conectividade durante a pandemia influencia negativamente todos esses aspectos.
Além disso, uma outra atribuição da secretaria, reforçada inclusive no decreto de 2019 do presidente Bolsonaro, é a “implementação e acompanhamento de políticas públicas que utilizem tecnologias da informação e comunicação, promovendo interatividade e integração das diferentes linguagens e mídias”. Ou seja, expansão de políticas que pensem o acesso à internet.