Permanência: por que as cotas não bastam para democratizar a universidade
Ameaçadas pela falta de verbas, as políticas de permanência são fator chave para evitar a evasão de estudantes cotistas
Em 2021, a USP (Universidade de São Paulo) atingiu o marco de 51,7% de estudantes egressos de escolas públicas brasileiras – 44,1% deles autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Muitos destes jovens, assim como Rodrigo Rocha, estudante no curso de Ciências Sociais, recorreram às políticas de ação afirmativa para acessar um espaço que historicamente foi negado a seus pais ou avós.
Mas as semelhanças entre eles não se encerram no momento em que adentram o espaço universitário. Assim que saiu de Mairinque (SP), sua cidade natal, rumo à capital paulista há três anos, Rodrigo tinha uma certeza: as dificuldades para se tornar um estudante da maior universidade de América Latina não tinham se encerrado no vestibular.
Assim como milhares de estudantes cotistas não só da USP, mas de todas as universidades públicas brasileiras, as diferenças socioeconômicas que separavam Rodrigo dos outros candidatos no momento do vestibular persistiram após o ingresso no Ensino Superior. Ele seguiu sendo um aluno de baixa renda que passou a arcar com os custos impostos pela universidade, ainda que pública, como livros, transporte, moradia e alimentação.
Agora estudante universitário, a batalha de Rodrigo deixou de ser o ingresso, e tornou-se a permanência.
No aniversário de 10 anos da Lei de Cotas, uma questão ganha espaço central nos debates sobre sua eficiência: somente as cotas bastam para democratizar a universidade?
As políticas de permanência, antes e depois da Lei de Cotas
Para além da matrícula, das atividades de recepção ou de qualquer outro ritual de ingresso, os primeiros dias de Rodrigo como aluno da USP ficaram marcados em sua memória por mais um motivo. Logo que aprovado, o estudante procurou por auxílios que o ajudassem a se manter a mais de 75 quilômetros de casa.
“A partir do momento que você iniciava sua matrícula virtual era definido um período de 14 horas para você submeter uma imensa documentação. Muitos dos documentos eram praticamente impossíveis também conseguir naquele momento. Incluía, por exemplo, o holerite de cada pessoa da família”, conta.
Apesar do processo burocrático e desgastante, os auxílios foram e seguem sendo essenciais para que Rodrigo permaneça na universidade. “Isso no começo dificulta bastante, mas eu acabei conseguindo realizar o processo. Até porque sem essas bolsas de permanência não teria conseguido e manter na universidade. Acho que uns 80, 90% da minha renda são essas bolsas de fomento de permanência”.
O estudante relata que já foi beneficiário do auxílio livro e hoje ainda recebe uma bolsa de R$ 550 voltada à moradia. Também recebe uma bolsa por sua pesquisa de iniciação científica.
As políticas de permanência estudantil são todas as iniciativas institucionais a curto, médio ou longo prazo que têm como objetivo auxiliar o estudante do ensino superior durante o caminho universitário, afim de diminuir a taxa de evasão dentro do ensino superior.
Elizabeth Balbachevsky, coordenadora científica do NUPPs (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo), conta que as políticas de permanência estudantil são mais antigas do que se imagina. Elas datam do período medieval, época em que surgiram as grandes universidades.
“As políticas de permanência surgem junto com o conceito de universidade, onde as faculdades ficavam em prédios espalhados pelas cidades. Os grandes centros de informação, reflexão e acúmulo de conhecimento tinham essa característica de atrair estudantes de todas as partes. E isso, evidentemente, significava algum tipo de arranjo para acomodar essas pessoas que vinham de tão longe”, esclarece a coordenadora do NUPPs.
Elizabeth destaca também que os modelos de permanência estudantil existentes hoje, como a moradia estudantil e o auxílio alimentação, são inspirados nos formatos de permanência criados no séculos passado, a partir dos 1930, nos Estados Unidos e na Inglaterra.
No Brasil, as ações de permanência de estudantes nas universidades também são anteriores à própria Lei de Cotas, e tiveram sua importância declarada pelo governo em 1996, na reformulação da LDB (Lei de Diretrizes Básicas).
O Pnaes (Plano Nacional de Assistência Estudantil), por exemplo, foi criado em 2008, e tem como objetivo apoiar “a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial, afim de viabilizar a igualdade de oportunidades entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico”, buscando combater situações de evasão estudantil, segundo a página do programa no Ministério da Educação (MEC).
Passos para trás
Na prática, no entanto, os cortes orçamentários dificultam cada vez mais a efetivação dos programas de permanência. Entre 2016 e 2022, os recursos originados do Pnaes e destinados às universidades federais sofreram uma redução de 20,25%, passando de R$ 20,6 milhões para R$ 16,4 milhões.
“Isso significa restrição à nossa capacidade de manter as políticas de Assistência Estudantil”, afirmou em audiência o reitor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), Marcus David.
Para além dos recursos do Pnaes, desde 2015 as instituições federais vêm sofrendo constantes cortes orçamentários. Em junho deste ano, foi anunciado mais um bloqueio de R$3,2 bilhões – que, depois de mobilização de movimentos estudantis e de reitores de todo o país, foi reduzido pela metade.
Os sucessivos bloqueios como este afetam diretamente as despesas discricionárias, que incluem o financiamento das políticas de assistência aos estudantes cotistas e de baixa renda como o auxílio moradia, o auxílio alimentação e o transporte.
Os efeitos se refletem na trajetória dos estudantes de baixa renda, que às vésperas dos 10 anos da Lei de Cotas deixam o espaço que progressivamente vinham conquistando.
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