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O que foi a Carta aos Brasileiros, lançada na ditadura pelo Direito da USP

Manifesto de 1977 defendia o Estado de Direito e a obediência à Constituição

Por Juliana Morales
Atualizado em 12 ago 2022, 09h59 - Publicado em 27 jul 2022, 14h36

Nesta quinta-feira (11), juristas e professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) leem no Largo São Francisco um manifesto em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro. Com mais de 900 mil assinaturas, o documento reúne apoio de importantes juristas, empresários, artistas e de demais representantes da sociedade civil, tanto à esquerda quanto à direita do espectro político.

Os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Felipe d’Avila (Novo), Soraya Thronicke (União Brasil), Sofia Manzano (PCB), Leonardo Péricles (Unidade Popular) e José Maria Eymael (Democracia Cristã) assinaram a carta.

O texto denuncia que o Brasil enfrenta “um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições” e faz uma crítica aos “ataques infundados e desacompanhados de provas” que questionam o resultado das eleições.

Ainda que a carta não faça referência ao presidente Bolsonaro, ela é um recado a ele, que insiste em repetir, mesmo sem provas, que as urnas eletrônicas são passíveis de fraudes e que ele não aceitará o resultado do pleito que não seja a sua própria reeleição.

O atual manifesto é inspirado na Carta aos Brasileiros de 1977. Trata-se de um texto de repúdio ao regime militar, redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles, e lido também na faculdade do Largo de São Francisco. Se a carta de 1977 trazia como destaque a frase “Estado de Direito já”, a de 2022 enfatiza: “Estado de Direito sempre”.

O parágrafo final da carta atual faz menção ao documento que serviu de base e resgata a importância da conquista de eleições livres e periódicas. “Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz o manifesto.

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O documento ainda defende que a “ditadura e tortura pertencem ao passado” e que “a solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições”.

Carta aos Brasileiros de 1977

A Ditadura Militar no Brasil, instaurada pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964, durou 21 anos. Chamada por seus defensores de “revolução”, foi marcada pela ruptura do regime democrático, por forte centralismo e autoritarismo, pela cassação dos direitos políticos de opositores e pela violação das liberdades individuais da população. Em 1977, ano da primeira Carta aos Brasileiros da Faculdade de Direito da USP, o presidente era o general Ernesto Geisel.

Desde o início de seu mandato em 1974, Geisel enfrentou uma série de dificuldades econômicas e políticas. Era o fim do milagre, e a oposição se fortalecia, provocando temores na cúpula militar pela estabilidade do regime. Diante do contexto adverso, o governo decidiu iniciar um processo de liberalização controlada, e Geisel anunciou o projeto de abertura política “lenta, gradual e segura”.

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Em 1977, ante a iminência de nova derrota eleitoral, Geisel fechou temporariamente o Congresso e editou um conjunto de regras eleitorais conhecido como Pacote de Abril. Entre as principais mudanças estavam a ampliação das bancadas do Norte e do Nordeste na Câmara dos Deputados – o que garantia maioria parlamentar à Arena –, o aumento do quórum para mudar a Constituição de 50% dos parlamentares para mais de dois terços (medida que seria decisiva, em 1984, para a derrota da emenda das Diretas Já) e a criação do senador biônico: dos três senadores de cada estado, um passou a ser escolhido diretamente pelos deputados estaduais.

Ainda em 1977, o regime assistiu ao ressurgimento do movimento estudantil e das greves. No ABC paulista, renasceu o movimento metalúrgico, liderado pelo torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva.

Foi nesse cenário – há quase 45 anos – , que no dia 8 de agosto de 1977, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. fez a leitura histórica da Carta aos Brasileiros, tendo como cenário de fundo as Arcadas da Faculdade de Direito da USP. O texto, contrário à opressão da Ditadura Militar, pedia o reestabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

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“Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direi­tos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”, dizia o terceiro parágrafo do texto. Em outro trecho, o manifesto defendia que o Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à Constituição.

“Bem simples é este princípio, mas luminoso, porque se ergue, como barreira providencial, contra o arbítrio de vetustos e renitentes absolutismos. A ele as instituições políticas das Nações somente chegaram após um longo e acidentado percurso na História da Civilização. Sem exagero, pode-se dizer que a consagração desse princípio representa uma das mais altas conquistas da cultura, na área da Política e da Ciência do Estado”, dizia a carta.

No ano seguinte, em 1978, Geisel enviou ao Congresso emenda constitucional que acabava com o AI-5 e restaurava o habeas corpus. Com isso, abriu caminho para a volta gradual da democracia. O fim do longo regime militar no Brasil se deu, de fato, em 1985.

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Leia aqui a íntegra da Carta aos Brasileiros de 1977.

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