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O que é patrimonialismo – e o que ele tem a ver com as joias de Bolsonaro

Patrimonialismo e corrupção não são a mesma coisa, mas estão ligados. Entenda como o conceito de Max Weber está presente no Brasil desde a colonização

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 18 ago 2023, 12h45 - Publicado em 17 ago 2023, 20h23
o ex-presidente Jair Bolsonaro, com a mão na sobrancelha, em frente a um lustre luxuoso
O presidente Jair Bolsonaro é suspeito de vender joias do Estado em benefício próprio. Casos de corrupção são exemplo do patrimonialismo no Brasil (Joe Raedle/Getty Images)
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Um vereador que empregou uma sobrinha como sua assessora. Um juiz que, mesmo tendo um imóvel na cidade em que vive e trabalha, aceita receber auxílio moradia. Um governador que privilegia empresas de conhecidos em licitações públicas – e recebe algum tipo de propina por isso. Quem é brasileiro provavelmente já ouviu centenas de versões destas mesmas histórias, algumas delas envolvendo nomes famosos e que ocuparam cadeiras de destaque na política brasileira.

O caso mais recente envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro é suspeito de envolvimento na venda de joias e artigos de luxo recebidos como presentes de líderes de outros países, quando ainda era presidente. A suspeita é que, com a ajuda de assessores, ministros e outras figuras do seu entorno, ele tenha vendido estes itens para enriquecimento próprio. O problema é que presentes de alto valor recebidos por presidentes não pertencem a eles, como indivíduos. São considerados bens dados à nação brasileira e, por isso, devem ser incorporados ao acervo da Presidência da República e permanecer lá, mesmo quando acaba o mandato e o presidente deixa o cargo.

É um exemplo da típica confusão entre bens públicos e privados que, no início do século 20, o sociólogo e jurista alemão Max Weber explicou em seus livros. Essa forma de governar, usando a máquina pública para benefício próprio, ficou conhecida como patrimonialismo. Você pode estar pensando: não é mais fácil chamar logo de “corrupção“? Bem, não exatamente. Neste texto, você entende por que.

O patrimonialismo de Max Weber

“O significado é, de maneira bem simplista, a apropriação do aparato estatal em benefício de certos grupos que se articulam para ter um domínio sobre a máquina administrativa, para atender aquilo que é conveniente”. É assim que o especialista em administração pública pela Unesp, Alvaro Martim Guedes, explicou de forma resumida à Agência France Press (AFP) o que é patrimonialismo.

A cientista política Andreia Reis do Carmo complementou em entrevista ao podcast Politiquês, do jornal Nexo, dizendo que o patrimonialismo é, segundo as teorias formuladas por Max Weber, um tipo de dominação. Uma lógica de entendimento do que é a administração pública que valida a apropriação daquilo que pertence a toda a sociedade por quem está no poder.

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Em termos mais simples, quem é eleito acredita que pode se valer dos bens públicos – e aqui entra dinheiro, cargos políticos e todo o aparato governamental – como bem entender para se beneficiar. Essa crença pode ter muitas consequências diferentes. Entre elas, mas não apenas, a corrupção.

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Enquanto a corrupção está mais associada ao roubo escancarado – desvio de verba, contratos irregulares ou venda de joias que pertencem ao Estado – o patrimonialismo envolve apropriações indevidas menos óbvias. Como aquele benefício moradia dos juízes, mencionado no início deste texto, ou os casos de nepotismo, em que políticos eleitos oferecem cargos a familiares.

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Também é patrimonialismo quando grandes empresas influenciam decisões do Congresso Nacional, colocando seus interesses – que quase sempre vão na contramão do bem da população – em pauta, e garantindo que eles sejam priorizados. Nem todas essas práticas são ilegais, mas todas podem ser consideradas imorais.

O resultado, segundo o próprio Weber, é que a ordem objetiva, que deveria reger o Estado, fica de escanteio. Os governantes, ao invés de deixarem seus interesses e governarem com espírito democrático, pensando no bem de toda a sociedade, passam a se beneficiar da posição que ocupam.

Patrimonialismo à brasileira

É claro que o patrimonialismo não é um conceito que se aplica somente ao Brasil – afinal de contas, foi primeiro formulado por um alemão. Mas não faltaram, ao longo das últimas décadas, brasileiros que tentaram entender como essa lógica de governo veio parar por aqui. Pensadores de peso como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e especialmente Raymundo Faoro se debruçaram sobre o tema e fizeram diferentes leituras sobre ele. Para a cientista política Andreia Reis do Carmo, em pelo menos um ponto todos eles convergiam: o patrimonialismo no Brasil é de tradição. Mais especificamente, de tradição portuguesa.

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Basta lembrar das capitanias hereditárias, de 1534, quando a administração do Brasil colônia começou a ganhar forma. De norte a sul, o país foi dividido em 14 faixas de terra que seriam administradas por donatários. Escolhidos, é claro, pelo rei Dom Manuel I! O nepotismo já dava as caras por aquela época, já que muitos ganhavam cargos de destaque na colônia pelos vínculos familiares com membros do conselho real. Em monarquias, como era o caso de Portugal, práticas patrimonialistas são a regra, e não a exceção. O Estado é, basicamente, o rei – já diria o rei absolutista francês Luís XIV. E o Brasil, como nação, foi constituído de forma patrimonialista.

Conforme as décadas passaram, os resquícios do patrimonialismo seguiram fazendo parte da vida pública no Brasil. A independência de Portugal não impediu que D. Pedro I tenha instituído, pela Constituição de 1824, o poder moderador – que lhe livrou do título de um monarca absolutista, mas permitia que ele tivesse um poder “especial” de mediar os três poderes e interferir neles quando considerasse necessário. Da mesma forma, o fim do Império e a instituição da República não evitou a prática conhecida como coronelismo, em que os grandes latifundiários exerciam cargos públicos em benefício próprio. Eles se elegiam pela prática conhecida como voto de cabresto.

Apesar do patrimonialismo – e um de seus principais vícios, a corrupção – serem parte da história brasileira, Reis do Carmo alerta para o perigo de assumir que o Brasil é intrinsecamente corrupto. Para ela, essa seria a sentença de que o país não pode mudar.

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“Eu acredito que a nossa população está mudando, sim, e a gente cada vez mais demanda ética na política”, defendeu na entrevista ao Nexo. “[As pessoas] estão entendendo que o dinheiro roubado pela corrupção nos afeta no dia a dia, seja na falta dos médicos, na merenda escolar dos seus filhos, ou no buraco das ruas, na má-conservação dos espaços públicos. A gente finalmente está entendendo que essas coisas poderiam ser resolvidas com o dinheiro que foi roubado na corrupção, e isso é um aprendizado”.

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