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O que é masculinidade tóxica e como ela afeta homens e mulheres

As taxas de homicídio e suicídio entre os homens estão diretamente associadas a esse ideal de masculinidade

Por Luccas Diaz
Atualizado em 18 jul 2022, 17h40 - Publicado em 14 jul 2022, 18h44

Em um mundo onde casos de abuso e feminicídio acontecem diariamente, entender quais são as raízes da violência contra a mulher é um ponto fundamental. No GUIA DO ESTUDANTE, abordamos o tema em algumas ocasiões, seja explicando a lógica do machismo até como essa cultura afeta os próprios homens. Sim, o machismo não é problema só das mulheres. Ele também deteriora a saúde física e mental dos homens, e um dos mecanismos que o mantém vivo e operante é a masculinidade tóxica.

Segundo o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, a palavra masculinidade é definida como “qualidade de masculino ou de másculo” – ou seja, ela define o que é ser homem. Da mesma forma, feminilidade é a “qualidade, caráter, modo de ser, pensar ou viver próprio da mulher”. Já tóxico é tudo aquilo que tem a “propriedade de envenenar; que faz mal para o organismo”.

Masculinidade tóxica, portanto, seria a existência ou o comportamento designado ao gênero masculino que causa malefícios, tanto a ele próprio quanto à sociedade ao seu redor. São expectativas projetadas sobre os homens que estabelecem que eles devem adotar determinadas atitudes e seguir certos costumes para ocuparem o lugar que, em tese, lhes cabe na sociedade.

Neste texto, confira um apanhado dos principais tópicos envolvendo a masculinidade tóxica, além de uma seleção de referências para aprofundar no tema.

O que define um homem?

O verbete de “masculinidade” no dicionário guarda ainda uma outra definição que, por si só, parece definir a masculinidade tóxica: “virilidade”. O termo, que aparece como um sinônimo, indica a condição de ser viril, isto é, ser marcado pela força, energia e vigor. É também a capacidade do homem de ter relação sexuais.

A palavra virilidade ser apontada como sinônimo de masculinidade sintetiza a ideia de que o homem precisa, perante os olhos da sociedade, ter características historicamente associadas ao gênero masculino – o que, em uma sociedade de valores patriarcais, inclui ser destemido, autoritário, corajoso, impositivo, entre outros pontos. Valores como estes são impostos aos homens desde a mais tenra idade.

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Já na infância, meninos são bombardeados de restrições que os impedem de entrar em contato com as emoções, de exercer a empatia ou ainda a possibilidade de conhecer a própria sexualidade. “Está parecendo uma menininha”, “seja homem” e “homens não choram” são apenas alguns exemplos de frases sentenciadas aos homens ainda nos primeiros anos de vida.

O ideário de “masculinidade” opera como uma fábrica de indivíduos que perpetuam alguns dos maiores problemas da sociedade contemporânea: a violência de gênero, a homofobia e até mesmo o suicídio.

Trecho do livro “Seja homem: a masculinidade desmascarada” (Dublinense, 2020) do autor e poeta inglês J. J. Bola

O patriarcado é uma trama que se estende pela família, pelo sistema educacional e pela mídia de massa. Ele socializa os comportamentos, atitudes e ações dos homens, dizendo a eles como devem agir, se sentir e se comportar em todos os aspectos das suas vidas, especialmente em relação às mulheres, mas também em relação aos outros homens. O sistema do patriarcado é algo que impacta as vidas de homens e mulheres, atuando desde o nascimento até a infância e seguindo pela vida adulta e por aí vai, de maneiras às vezes aparentemente simples, como as cores que devem ser usadas – o azul para os meninos e rosa para as meninas –, os tipos de roupas ou os brinquedos com os quais as crianças devem brincar. Toda esta ordenação tem uma repercussão significativa na maneira como a masculinidade é vista dentro da sociedade, e como os homens e as mulheres interagem entre si.

As consequências

Manifestação no Rio de Janeiro em protesto contra o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos, em 2016

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As consequências da masculinidade tóxica são perceptíveis nos mais diferentes espaços. O machismo, por exemplo, está intimimamente relacionado a esse comportamento uma vez que invisibiliza, inferioriza e violenta qualquer um que se identifique com o gênero feminino.

Trata-se de uma cultura que contribui não apenas para casos de violência extrema, como feminicídio e estupro, mas também para violações por vezes vistas como cotidianas. Os assédios verbais, a interrupção da fala de mulheres, o questionamento de capacidade intelectual e até a exclusão delas no mercado de trabalho são exemplos disso.

Mas quando se trata de masculinidade tóxica, o lado agressor também não passa incólume.

Um levantamento do Ministério da Saúde, com base nos dados de óbitos por suicídio registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) entre 2010 a 2019, e de notificações de violências autoprovocadas registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2019, constatou que, no Brasil, homens cometem 3,8 vezes mais suicídios do que mulheres. Entre o gênero masculino, a taxa de mortalidade por suicídio em 2019 foi de 10,7 a cada 100 mil habitantes, enquanto entre mulheres esse valor foi de 2,9.

Essa discrepância se reflete também em dados relacionadas à violência. Entre 1991 e 2000, de acordo com os dados do SIM e do sistema de Autorização para Internação Hospitalar (AIH), a taxa de mortalidade causada por violência entre homens foi 5 vezes maior do que a taxa observada entre mulheres, sendo 119,6 a cada 100 mil habitantes, versus 24 no gênero feminino.

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Um relatório de 2014 elaborado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) aponta que a maioria dos assassinos do mundo são homens (95%), mas eles também são a maioria das vítimas (90%).

Dois homens de costas se abraçando
A demonstração de afeto é uma das principais atitudes afetadas pela masculinidade tóxica (Unsplash/Reprodução)

Entre a comunidade LGBTQIAP+, a masculinidade tóxica também deixa consequências. A mentalidade por trás desta cultura pode fazer com que homens não se sintam no direito de entender ou expressar a própria sexualidade.

Recentemente, o ex-jogador de futebol Richarlyson se assumiu bissexual durante uma entrevista a um podcast. “Agora eu quero ver se realmente vai melhorar, porque é esse o meu questionamento”, disse em um trecho do programa. Ambientes como o do esporte, em que as demonstrações de virilidade são incentivadas, se mostram um terreno fértil para a masculinidade tóxica – e, consequentemente, para a homofobia.

O jogador da seleção de vôlei, Douglas Souza, também relatou experiências semelhantes. Ele chegou a afastar-se do esporte para cuidar da saúde mental. “Isso é muito comum no esporte, é o que a gente vem tentando mudar há alguns anos, o que eu venho tentando fazer, sempre”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

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O documentário “O silêncio dos homens” (2016) reflete sobre estas e outras consequências da masculinidade tóxica para os próprios homens. O filme é o resultado de uma pesquisa que ouviu 20 mil pessoas e constatou que 7 em cada 10 homens não falam sobre seus medos e dúvidas entre amigos. Assista o documentário na íntegra abaixo.

Tem solução?

Antes de tudo, é necessário entender que a imposição deste ideário masculino é, na verdade, uma tentativa de traçar lógicas de controle e poder. Trata-se de uma construção cultural, e não biológica. Ser forte, vigoroso, destemido e assertivo são traços de personalidade que nada diferem entre os cromossomos XX e XY.

No livro “Como Educar Meninos: O poder da conexão para criar grandes homens” (nVersos, 2019), o autor e psicólogo estadunidense Michael C. Reichert diz que o que muitas vezes é propagado como a “natureza dos homens” são construções sociais que não tem relação com características biológicas do corpo masculino.

Segundo ele, estudos já mostraram que homens e mulheres sentem as emoções de maneira igual. O que muda é a forma como as expressam. Ensinar meninos a falar sobre suas emoções, portanto, seria um primeiro passo neste caminho.

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Uma publicação compartilhada por MEMOH (@projeto.memoh)

Em homens adultos, a trajetória passa pela desconstrução, seja ela cotidiana ou arquitetada. Já existem, por exemplo, workshops, cursos e grupos de reflexão com este propósito. O MEMOH é um deles.

Fundado pelo empresário Pedro de Figueiredo, se define como “um negócio social que oferece a homens a possibilidade de refletirem, em conjunto, sobre seu comportamento por meio de grupos reflexivos, produção de conteúdo e serviços de consultoria voltados para o ambiente corporativo”. Em entrevista ao jornal Estadão, o empresário explica como funciona os encontros do projeto. “A cada 15 dias esses grupos se encontram para discutir questões relacionadas ao debate de masculinidade sempre proposto pelos próprios participantes. O cara que propõe o tema, nós chamamos de ‘líder da rodada’. O líder sempre propõe um tema a partir de uma questão particular dele. Não é uma palestra que o cara vai dar para as pessoas, mas sim um incômodo que ele vai trazer para o grupo.”

Na lista de clientes estão presente o Facebook, a Coca-Cola, a Vale, a Netflix, a Ambev e até mesmo o Senado Federal.

Para se aprofundar no tema

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