Na última semana, a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi anunciada como presidente do banco do BRICS, agrupamento de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Verdade seja dita, o anúncio chamou muito mais a atenção pelo protagonismo de Dilma, dado seu histórico: a primeira mulher presidente do país, que sofreu um impeachment e viu um país cindido entre os que a apoiavam e rechaçavam. O resto é história.
Mas para além dos embates políticos domésticos, a decisão sobre o banco do BRICS trouxe de volta à roda o próprio grupo, que há anos perdera seu espaço na política internacional brasileira.
Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE recupera a história deste agrupamento de países que prometiam dominar a economia mundial em menos de 50 anos e aponta o que a volta do governo Lula sinaliza sobre seu futuro.
Nasce o BRICS, os futuros protagonistas do cenário econômico global
BRICS é o acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os países-membros do grupo. E o motivo para apenas estes países em específico se reunirem está lá nos anos 2000. Neste período, algumas nações começaram a entrar em ciclos de crescimento econômico com trajetórias ascendentes: eram os chamados países emergentes.
A ideia de agrupamento destes países excluindo, a princípio, a África do Sul, surgiu com o economista britânico Jim O’Neil ainda em 2001. Ele os agrupou – no campo da teoria, é claro – e criou a sigla como uma forma de categorizar e analisar os aspectos econômicos, sociais, comunicacionais e empresariais semelhantes de cada um dos países.
Cinco anos mais tarde, em 2006, os países tiraram essa ideia do papel e se juntaram efetivamente, incorporando a união às suas políticas internacionais.
“Eles se reorganizaram ou continuaram uma trajetória que já vinham apresentando de tentar expandir os seus negócios pelo mundo, de se tornarem atores em termos diplomáticos”, explica Pedro Brites, professor do curso de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas). “Posicionando-se como novos atores, esses países teriam condições de se tornarem protagonistas do cenário econômico global”, conclui.
No início, faziam parte do agrupamento, ainda muito informal, apenas Brasil, Rússia, Índia e China. Era de certa forma uma resposta à crescente turbulência no cenário econômico global, que culminaria na crise de 2008, e ao fato de que os maiores países do mundo não apontavam uma solução para os emergentes.
Nesta época, já existiam reuniões em assembleias da ONU (Organizações das Nações Unidas), por exemplo, para criar alianças. “Surgiram ideias de agrupamentos que pensavam possibilidades para uma resposta à crise e à governança global. Dentre elas, o BRICS, em 2006”, afirma Brites. Foi só alguns anos depois, em 2011, que a África do Sul juntou-se ao grupo.
Mas o que formalmente unia e une o BRICS? Nada. O BRICS não é uma cúpula, uma organização. Não há um tratado ou uma moeda única adotada pelos países-membros, como ocorre na União Europeia. Por isso mesmo, não é possível classificá-lo como um bloco econômico.
O que une Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e intensifica suas relações é a vontade de criar estratégias políticas que os aproximem e façam crescer suas economias, alcançando patamares cada vez mais relevantes no cenário global. Durante alguns anos, a ideia funcionou.
Os anos de ouro do grupo
Desde a criação do BRICS, em 2006, os países-membros tiveram diferentes trajetórias de crescimento, mas todos despontavam como atores importantes em suas regiões. Por anos, o grupo foi tratado como uma das prioridades da política externa destes países e, graças a isso, eles conseguiram estreitar laços político-econômicos de maneira mais fluida e enfrentar a crise econômica.
O BRICS pensava a trajetória do grupo a longo prazo. Seu objetivo era fazer com que os membros se fixassem como as cinco maiores potências mundiais até 2050.
É claro que cada país possuía características sociais, políticas, governamentais e objetivos econômicos diversos. Um exemplo que ilustra bem é o investimento da Rússia e China em armamento nuclear, destoando de Brasil, Índia e África do Sul. Mas os membros do grupo objetivavam alinhar suas políticas externas e estreitar acordos e debates sem perderem suas dinâmicas próprias, o que funcionou até 2012.
A desarticulação
Em meados do início da década passada as coisas mudaram. Rússia e China, principalmente a China, mantiveram um crescimento vertiginoso e fixaram-se como figuras importantes do planeta. Já a Índia se firmou como importante governante na Ásia Meridional, ganhando espaço no mercado de tecnologia.
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Por aqui, as coisas não iam bem. “O Brasil passa por uma crise política a partir de 2013 que se aprofunda com a queda de Dilma em 2015. Desde então, o país nunca conseguiu se recuperar de uma série de desafios: inflação, crescimento baixo, extremismo político”, conta Pedro Brites, da FGV. Com uma trajetória menos promissora do que apresentava na primeira década dos anos 2000, o país se afasta dos BRICS.
Mais recentemente, outros acontecimentos estremeceram a política e economia dos cinco países, incluindo os que despontavam como líderes mundiais. A China enfrentou uma grave crise por conta da pandemia de covid-19, sem mencionar seu confronto direto com os Estados Unidos. Já a Rússia, que possui uma trajetória ligada ao petróleo e outros recursos energéticos, está enfrentando uma guerra que afeta seu desempenho econômico.
A África do Sul também sofreu com os efeitos da pandemia, além de apresentar altas taxas de desemprego, principalmente entre os jovens, e inflação crescente.
Dá para perceber que cada país estava preocupado demais com seus próprios problemas para pensar em uma política externa global específica, como o BRICS.
Perspectivas para o BRICS
O BRICS foi criado durante o governo Lula e é novamente nele que surgem expectativas de sua rearticulação. Desde a nomeação de Dilma para a presidência do banco do BRICS (projeto que visa o apoio financeiro para projetos de desenvolvimento dentro dos países-membros), já aconteceram reuniões e diálogos sobre a retomada de projetos conjuntos.
Para Pedro Brites, essa é uma janela de oportunidades para que esses países se reaproximem. “Claramente existiam algumas divergências ideológicas, principalmente durante o governo Bolsonaro, o que criou atrito entre os países. Os membros se afastaram, deixando de ter relações políticas estreitas e de pensar em soluções para o mundo de forma conjunta. Mas agora você tem uma perspectiva completamente diferente”, analisa.
Os sistemas políticos de cada país-membro são bastante diferentes, então é fundamental que eles façam alguma força para que essa aproximação político-econômica ocorra. Afinal, todos parecem ter algo a ganhar com isso.
“O Brasil quer deixar de lado esse legado de isolamento na política externa e voltar a ser um ator global. A China precisa aumentar sua rede de parceiros e diminuir o peso da rivalidade com os Estados Unidos. A mesma situação com Rússia e Índia: apesar de terem uma trajetória de crescimento, também querem ser atores globais.”
O professor acredita que o BRICS ainda possui sentido no que tange a possibilidade de se pensar em alternativas para a ordem global estabelecida. A união destes países pode resultar em soluções para problemas mundiais e mais oportunidades de crescimento e desenvolvimento em diversos âmbitos, não apenas o econômico.
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