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De ‘incrível’ a ‘frustrada’: estudantes relatam volta às aulas presenciais

Pela primeira vez desde o início da pandemia a maioria dos estados autorizou a reabertura das escolas. O GUIA ouviu alguns estudantes sobre o retorno

Por Juliana Morales
Atualizado em 11 ago 2021, 23h48 - Publicado em 10 ago 2021, 20h57

Com uma média móvel por volta de mil mortes diárias por covid-19, o Brasil começou a retomar as aulas presenciais na maior parte do país em agosto. Em estados como São Paulo e Espírito Santo já foi permitida 100% da presença dos alunos nas escolas desde a semana passada. Entretanto, ainda é necessário que os estabelecimentos de ensino tenham capacidade física para receber todos os matriculados, seguindo os protocolos de segurança, como o distanciamento de um metro.

GUIA escutou os estudantes sobre o retorno – e também o não retorno de alguns – às salas de aulas físicas e o contato presencial com os colegas e professores.

Idas e vindas

Marielle Reis, 17 anos, se mudou do Espírito Santo para São Paulo durante a pandemia. Começou o terceiro ano do Ensino Médio em uma nova escola, na zona leste da capital paulista. No início do ano, ela chegou a voltar às aulas presenciais no esquema de rodízio que foi determinado pela instituição. Conheceu o rosto, mesmo que parcialmente escondidos pelas máscaras, de poucos dos seus colegas de sala. Mas, com o agravamento da pandemia, ela precisou voltar para os estudos na mesinha do seu quarto. 

Já no retorno para a sala de aula, na segunda-feira (2), Marielle diz que  foi mais tranquilo. “A sala não está tão cheia, já que algumas alunos têm comorbidades e outros também optaram continuar no remoto. Deixamos todas as janelas abertas para o ar circular”. Ela conta que a confiança e transparência entre os colegas e professores tem sido um aspecto importante nessa volta também. “Todo mundo é bem sincero. O combinado é que se tiver contato com alguém com o vírus, ou qualquer sintoma da doença, já avisa no grupo e se afasta da escola”.

Já a parte mais difícil dos protocolos, segundo a estudante, é manter a distância durante a conversa com os amigos.

Precisamos nos policiar para não ficarmos próximos durante o intervalo ou não ir até a carteira do outro para falar algo. Estamos nos adaptando”, diz Marielle

A jovem relembra o começo da pandemia: “No começo do EAD, estava dando tudo certo. Estava bem aplicada, até conseguia acordar todos os dias com antecedência para tomar o café e me preparar para aula, como se estivesse indo para a escola”. Mas a garota conta que, ao passar dos meses, o empenho – e desempenho – foram caindo cada vez mais. “É muito difícil manter sozinha, ter disciplina. No fim, eu acordava em cima da hora e comia durante a aula mesmo”, conta.

Estudante de máscara na escola
Marielle no primeiro dia de volta às aulas presenciais (Arquivo Pessoal/Reprodução)
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No meio dessa adaptação – necessária – muita coisa deixou de ser vivida pelos estudantes.

“Eu entendo a situação, mas fiquei um pouco frustrada de não aproveitar meu último ano na escola. Eu esperava fazer camisa e copo personalizado, trotes, fazer viagem e festa de formatura”, conta.

Agora, de volta à escola, Marielle e os colegas tentam criar memórias do “terceirão”, de forma segura e do jeito que é possível. Além disso, eles comemoram “uma luz no fim do túnel”: ” O pessoal da minha idade está até mais feliz, porque a vacinação para a nossa faixa etária – menos de 18 anos – também já está agendada aqui em São Paulo. Quero me vacinar logo, ficar protegida, e aproveitar minha época de caloura na faculdade”, diz.

Reencontro

Natacha Martins Rigo, 16 anos, estuda com o modelo híbrido no colégio estadual em Pato Branco, Sudoeste do Paraná. Uma semana na sala de aula, uma semana pelo computador. Anteriormente, o estado tinha liberado aulas presenciais, mas com percentuais de acordo com cada fase da pandemia. Nesse mês o governo do Paraná decidiu acabar com os limites de ocupação.

“Eu estava com bastante receio de voltar em relação à covid. Mas os protocolos de segurança e o distanciamento me surpreenderam positivamente”, conta a estudante.

Após um ano e quatro meses só em casa, voltar foi uma experiência muito nova, segundo a jovem.

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“Eu não lembrava da sensação de estar na escola, ver meus colegas. Foi incrível isso”, diz Natacha.

Um dos desafios das aulas remotas para Natacha era manter uma rotina e ter concentração, além de lidar com a saúde mental que ficou afetada com todo o contexto atípico do último ano. O retorno, para ela, acaba sendo também a esperança de recuperar um pouco do que perdeu no ensino remoto: “Não gostava do EAD, aprendi muito pouco. Mas sei que foi uma medida necessária”.

Esse, inclusive, é um ponto bastante discutido sobre a educação pós-pandemia: as escolas vão precisar enfrentar a inevitável defasagem no aprendizado. Estudantes enfrentaram – e muitos ainda enfrentam – dificuldade de estudar em casa por conta da falta ou precariedade de ferramentas para acessar os conteúdos, somada com desequilíbrio emocional e dificuldade em se organizar.

Em relação a isso, o que muito se tem discutido é a realização de avaliações para saber o que os alunos conseguiram acompanhar durante o ensino remoto. E, a partir disso, entender o descompasso, identificando quem precisa do reforço de aulas extras, com extensão do ano letivo ou ampliação da carga horária.

+ O Ensino Médio brasileiro pede atenção e reforço no pós-pandemia

Quem fica em casa

Apesar da liberação em São Paulo, Jadeilson da Silva, 17 anos, decidiu continuar no ensino remoto, como forma de prevenção para ele e seus familiares. “Só vou voltar para o presencial depois de tomar a primeiro dose da vacina contra a covid-19”. O jovem, do terceiro ano, faz ensino técnico integrado ao médio no Ipiranga, zona sul de São Paulo. Ele conta que, assim como ele, a maioria dos colegas de sala preferiu adiar o retorno. “Muitos dos alunos moram com pessoas que tem comodidades ou são do grupo de risco”, conta.

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A preocupação com aumento de casos em meio à ameaça da variante delta, cepa mais transmissível que já circula no país, é também compartilhada por especialistas e gestores. Eles reforçam a necessidade da organização e preparo para garantir um estrutura segura para alunos, famílias, professores, funcionários e toda a comunidade que está ao redor do ambiente escolar.

Jadeilson diz que o retorno de alguns, enquanto outros ficam em casa, traz desafios também.  “Complica um pouco porque quem não vai para a escola acaba, muitas vezes, tendo aulas assíncronas (não ocorrem em tempo real). Não tem o mesmo diálogo que existe no presencial”.

Ele completa: “Acho que está cedo para voltar. O que custa esperarmos mais um pouco? Quando tomarmos a primeira dose, vamos estar parcialmente imunizados, aí fica melhor para voltar. E, claro, tendo os devidos cuidados ainda”, diz Jadeilson.

Jovens reunidos na escola
Natacha (sentada na primeira fileira usando óculos de sol) e seus colegas de escola em 2019, antes da pandemia. (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Os desafios que não acabaram

Alana Carolina, 18 anos, estuda em uma escola estadual em Natal, Rio Grande do Norte. Ela também preside a Associação Potiguar dos Estudantes Secundaristas do RN (APES). Desde março de 2020, foi adotado o modelo remoto onde estuda. Mas de início, por um bom tempo, a garota não teve aula, apenas encontros síncronos: professores passavam atividades e os alunos tinham um momento para tirar dúvidas. “Era algo bem robotizado: entregava a atividade e recebia mais. Não era motivador”, conta.

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Mas o que mais pesou para Alana foi a falta de acesso e ferramentas suficientes para dar continuidade nos estudos em casa. “O celular que eu tinha para acompanhar era ruim, travava com os arquivos em PDF, que eram pesados. Além disso, eu não tinha um lugar adequado para estudar. Um acúmulo de coisas que acabou me impedindo de ter acesso às aulas”, desabafa a estudante.

No fim do ano passado, a direção do colégio da Alana deu a opção dos estudantes que não conseguiram acompanhar as aulas terem o diploma de conclusão caso entrassem em uma universidade pública e entregassem as atividades pendentes.

“Eu até consegui passar no vestibular, mas não me sentia pronta para isso. Parecia que estava faltando um pedaço da minha trajetória nos estudos”, diz Alana.

Assim, por conta dessas dificuldades, ela acabou repetindo o terceiro ano do Ensino Médio. “Faltou um contato com os alunos: por que você não está acompanhando a aula? O que está acontecendo? Você consegue ter acesso a isso?”, defende.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, 71% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet. Esse número dividido por classe social evidencia a desigualdade: 99% das casas de classe A têm internet, 95% na B, 80% na C, enquanto na classe DE o número cai para 50%. A discrepância também fica evidente na TIC Educação 2019, que aponta que 39% dos estudantes de escolas públicas urbanas não têm computador ou tablet em casa. Enquanto esse índice nas escolas particulares é de 9%.

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Diante da desigualdade e falta de ação das autoridades para minimizar, pelo menos, os prejuízos, Alana diz que ser estudante brasileiro na pandemia é desesperador. “Sabemos que a educação não é uma prioridade para quem comanda o país. Mas levo uma frase que meus pais sempre me falaram: ‘estudar é a única saída’. E realmente é”, afirma.

+ Por que o acesso de estudantes à internet deveria preocupar o MEC

As aulas presenciais de Alana iriam voltar na segunda-feira, 2 de agosto, mas a falta de merenda para os alunos impediu o retorno em Natal. “O governo do Estado só tinha mandado frutas. As escolas de tempo integral, por exemplo, não conseguiriam voltar. Não tem como deixar um aluno dentro de sala o dia todo comendo só banana, melão e melancia”, afirma a presidente da APES.

Ela conta que o adiamento causou reclamações no grupo da sala, já que muitos colegas estão ansiosos com o retorno, porque não aguentam mais estudar em casa e precisam de maior foco. Alana também quer voltar, mas diz que tem um pé atrás ainda por conta da pandemia.

“O movimento estudantil vem batendo muito nessa tecla: estudar é essencial, sim, mas mais essencial que estudar é a vida. Se for para voltar que a gente volte de forma segura – com quantidade de alunos limitada, com escalonamento organizado, distribuir máscaras e álcool em gel. Não é só voltar, tem que ter responsabilidade com aquilo que estamos fazendo”, defende.

Raio-x
(---------------------/Divulgação)

De acordo com a pesquisa “Resposta educacional à pandemia de Covid-19 no Brasil”, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) por meio do Censo Escolar 2020, 99,3% das escolas brasileiras suspenderam as atividades presenciais em decorrência da crise sanitária.

Em média, o Brasil teve 279 dias de suspensão de atividades presenciais durante o ano letivo de 2020, considerando escolas públicas e privadas. Comparando com o cenário de diferentes países, nota-se que é um período expressivo de suspensão das atividades presenciais.

Em 2021, o quadro não foi diferente. O país continuou batendo tristes recordes de casos e vítimas da doença. Assim, entre flexibilizações e restrições, o retorno definitivo às escolas permaneceu distante e repleto de incertezas. Neste mês, pela primeira vez, desde o início da pandemia, a maioria dos estados autorizou a reabertura das escolas. 

Volta às aulas no Brasil

Vale ressaltar que a volta deve se dar de maneira diferente em cada unidade da federação, seguindo as orientações de cada governo estadual. Além disso, esse retorno se aplica à rede estadual de ensino. A rede pública municipal segue um calendário próprio, estabelecido por cada prefeitura, e a rede privada já tem liberdade para estabelecer o retorno de maneira independente.

Segundo um levantamento do Jornal da Globo, os estados do Amazonas, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins já liberaram inclusive as redes municipais para programar o retorno.

Entre os estados que ainda não voltaram, outros doze e o Distrito Federal já têm data marcada para a volta das aulas presenciais ainda em agosto. Apenas Paraíba e Acre têm previsão de retorno em setembro, quando a vacinação dos professores deve incluir a segunda dose. Roraima é o único estado sem data prevista.

Para saber mais
(-----------------------/Divulgação)

TIC Domicílios 2019

TIC Educação 2019

Resposta educacional à pandemia de Covid-19 no Brasil

Censo Escolar 2020 

Panorama da Educação 

 

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