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Cura gay não existe. Por que isso ainda é debatido?

Cientistas e religiosos discutem lgbtqfobia

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 23 fev 2021, 23h00 - Publicado em 23 fev 2021, 18h25
Parada LGBTQIA+ 2019, em São Paulo
 (Paulo Pinto/Fotos Públicas)
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Por Guilherme Magalhães e Isabella Zugliani/Esquinas

Em 1990, a homossexualidade saiu da lista de doenças mentais da Organização Mundial da Saúde (OMS). Já virou consenso pela comunidade científica mundo afora que a diversidade sexual é um traço da natureza humana. Apesar disso, terapias de reorientação sexual ainda são discutidas e implementadas.

“Até a segunda metade do século 20, diferentes ramos da psicologia trabalhavam a ideia de que haveria uma justificativa para a homossexualidade, considerando-a uma forma desviante de viver. À medida que se avançava no campo da ciência e do ativismo, essa abordagem foi perdendo força e voz”, diz Jean Ícaro, psicólogo especialista em terapias cognitivo-comportamentais e autor do livro Cura Gay, que será lançado em março de 2020. 

Segundo estudos de Ícaro, aproximadamente 1 em cada 3 psicoterapeutas brasileiros apresenta atitudes para converter a orientação sexual em seus consultórios. Ainda de acordo com a pesquisa, muitas vezes, isso ocorre sem o consentimento e/ou solicitação dos pacientes.

O grupo Porta dos Fundos satiriza a ideia de 'cura gay' no YouTube
O grupo Porta dos Fundos satiriza a ideia de ‘cura gay’ (YouTube/Reprodução)
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Ministra da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves reuniu-se com uma comissão reacionária no Conselho Federal de Psicologia em apoio à chapa de psicólogos e “ex gays” favoráveis à “cura gay”, em agosto de 2019. Eles foram derrotados na votação, mas a ministra fomentou a polêmica, que retornou ao debate público.     

Os dois grupos que compunham a comitiva têm como ponto de encontro a crença na “cura gay”. Eles são o Movimento Ex-Gays do Brasil, uma parcela dissidente da comunidade LGBTQIA+, e o Movimento Psicólogos em Ação (MPA), encabeçado pela psicóloga Rozangela Justino que, em 2009, foi advertida pelo Conselho Federal de Psicologia por oferecer tratamento de “reversão sexual”. 

Isso vai contra a Resolução N° 1/99, que há 10 anos estabelece normas de atuação para psicólogos em relação à orientação sexual dos pacientes e proíbe procedimentos que caracterizem a homossexualidade como passível de tratamento. O escândalo repercutiu e o discurso de Justino foi apropriado por aqueles que buscam preservar a heteronormatividade.

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“A orientação sexual e a identidade de gênero são questões inerentes ao indivíduo e se estruturam nos primeiros anos de vida. O profissional de saúde não deve interferir nisso. Seu papel é respeitar o paciente e auxiliá-lo nesse processo, que traz um estresse emocional e psicológico”, afirma o psiquiatra Marcelo Máximo Niel. “Pacientes que passam por terapias conversivas podem desenvolver disfunções sexuais, intensificação de depressões e ansiedades e tendência suicida”, completa.

“Os terapeutas favoráveis às terapias de redesignação sexual se utilizam de leituras teóricas ultrapassadas”, revela Jean Ícaro. Ele afirma, ainda, que essa prática continua porque há interessados e que alguns psicólogos entendem que precisam ajudar essas pessoas a se livrar de um sofrimento. “O argumento vai pelo lado da benevolência, mas, na verdade, esconde preconceitos”, observa o psicólogo.

Waldemir da Costa, 59, é evangélico e se considera um “ex-ex-gay”. A confusão na nomenclatura ilustra sua conturbada história de vida. “Minha sexualidade me incomodava muito porque eu achava que deveria ser hétero. Na adolescência, não demorou para eu começar a participar dos rituais da igreja. Tive que fazer jejuns, promessas e rezas insistentes. Foi um processo de anos”, desabafa. Ele casou, teve filhos e chegou a pensar que esse assunto nunca mais bateria à sua porta. No entanto, Costa revela emocionado: “Isso nunca saiu de dentro de mim”.

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Apesar da existência de profissionais da área da saúde que se valem de seus diplomas para tentar “corrigir” a homossexualidade, considerando-a um desvio de comportamento, há religiosos que não acreditam nas terapias de reorientação sexual e acolhem aqueles que sofrem com a LGBTQfobia.


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Ainda que uma instituição milenar como a Igreja Católica tenha suas doutrinas e fundamentos, em 2019,  o Papa Francisco declarou: “Se alguém tem uma tendência ou outra, isso não lhe tira a dignidade como pessoa. Quem decide rejeitar o outro por um adjetivo não tem coração humano”.  Essa postura mais acolhedora vem sendo adotada por alguns clérigos no Brasil.

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Aberta para todos,  a Igreja da Garagem é um exemplo. Liderada pelo do Pastor João Berlofa, fica em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo. “Há dois mil anos, Jesus falou sobre a Igreja, mas ela acabou virando o que é hoje: uma instituição hierárquica, dominante e machista. Nossa proposta é nos desligar de tudo isso. Não temos uma ideia hierárquica, mas horizontal. Somos uma igreja protestante que não exclui absolutamente ninguém”, comenta Berlofa, evangélico de criação e filósofo de formação. 

“Acolho com muito carinho aqueles que fazem parte do movimento LGBTQIA+ e que querem viver a sua espiritualidade cristã. Sempre penso em fazer o que Jesus faria se estivesse no meu lugar. Ele acolheu os marginalizados: prostitutas, cobradores de impostos e estrangeiros. Ele foi extremamente carinhoso e inclusivo com quem era colocado à margem. E eu não faria diferente”, afirma o padre Pedro Luiz Amorim.  

Padre Amorim finaliza: “Eu sou categórico, não acho que exista a ‘cura gay’. Até porque é uma violência e isso não combina com o Evangelho de Deus naquilo que foi revelado por Jesus Cristo”. 

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