Cotas raciais: por que as universidades adotam bancas de verificação?
Entenda os principais pontos desse debate que envolve as raízes do racismo brasileiro
A exemplos de outras instituições do país, a Universidade de São Paulo (USP) decidiu implementar, para o ano de 2023, uma comissão de verificação para ingressantes via cotas raciais no vestibular da Fuvest e no Sisu. A banca será composta de um docente, um servidor técnico-administrativo, um aluno de graduação e um aluno de pós-graduação (ambos indicados pela Coligação dos Coletivos Negros da USP), além de um representante da sociedade civil. Os cinco membros deverão ter, preferencialmente, experiência comprovada em procedimentos do tipo ou ser especialistas na temática da igualdade racial.
A USP adota a reserva de vagas para alunos de escolas públicas e autodeclarados PPI (pretos, pardos e indígenas) nos cursos de graduação desde o vestibular de 2018. Até o processo seletivo deste ano, a USP utilizava apenas a autodeclaração para validar a matrícula dos ingressantes pelas cotas étnico-raciais. Nesse caso, o próprio candidato, no ato da inscrição do vestibular, especifica a sua identidade racial.
O processo, no entanto, se mostrou ineficiente. Desde a adoção dessa política, a USP recebeu cerca de 200 denúncias de supostas fraudes na autodeclaração de pertencimento ao grupo PPI (pretos, pardos e indígenas). Só no ano passado, foram invalidadas as matrículas de seis estudantes matriculados em cursos da área de saúde, entre eles, de Medicina.
Como funcionam as bancas de verificação, na prática
Para entender esse critério usado nas comissões, Najara diz que é preciso perceber como o racismo opera no Brasil. A título de comparação, ela dá o exemplo do Estados Unidos, onde a população negra é minoria (11%) em termos de número de habitantes. Por conta de seu processo de colonização da Guerra de Secessão, a questão racial na sociedade norte-americana sempre esteve muito ligada a uma ideia de pureza (branca) e uma segmentação espacial.
Um exemplo disso era a existência de escolas, banheiros, bebedouros e até lugares no ônibus divididos entre pessoas brancas e pessoas negras. Uma referência que pode ajudar a ilustrar como se dava esse tipo de racismo é o filme Histórias Cruzadas, de 2011.
“Lá [nos EUA] existe a regra da gota de sangue: se você tem um gota de sangue negro você será tratado como tal”, diz Najara. Portanto, a sociedade norte-americana não define quem é negro ou não apenas pelo fenótipo, mas também leva em consideração as origens das pessoas. “Assim, uma pessoa branca, com cabelo liso e olhos claros pode ser vista como negra por ter antepassados pretos”, acrescenta.
A realidade histórica do Brasil é diferente, alerta a professora, que é autora do livro Quem é negra/o no Brasil?. Aqui, foi criado o mito da democracia racial que perpetua o racismo no Brasil até hoje. Ele consiste na ideia que, ainda que a colonização tenha sido marcada pela imposição dos valores europeus, a grande miscigenação no Brasil teria contribuído para proporcionar uma relação menos conflituosa entre as raças.
Em resumo, seria uma realidade na qual todos teriam igualdade nas diferentes esferas da sociedade, independentemente de cor ou etnia. Todos sabemos que na prática a teoria é outra. Os pretos e pardos ainda estão mais expostos à violência, representando 77% das vítimas de homicídio segundo o Atlas da Violência, disponibilizado pelo IPEA.
A pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, divulgada pelo IBGE em 2019, mostrou que, pela primeira vez, o índice de alunos pardos e pretos matriculados em universidades públicas superou o de alunos brancos, alcançando 50,3% naquele ano. A inserção de mais negros no ensino superior se dá, principalmente, pela Lei de Cotas, que desde 2012 estabelece que os 50% de vagas reservadas para cotas nas universidades federais deverão ainda ser subdivididas entre pessoas pretas, pardas e indígenas (agrupadas na sigla PPI), além de pessoas com deficiência.
Apesar de todo o avanço educacional para a população negra, a desigualdade racial continua a olhos vistos. Pretos e pardos representam 55,8% da população brasileira e, por mais que sejam maioria nas universidades públicas, o número de negros no ensino superior ainda é baixo. Por isso, a política de cotas raciais ainda se faz necessária e deve ser usufruída por quem, de fato, sofre com as consequências do racismo. Sem fraudes ou distorções.
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