Como será Cuba sem a família Castro?
Não se esperam, por ora, grandes mudanças políticas na Ilha, mas as reformas econômicas devem continuar
Na semana passada, durante o primeiro dia do 8º Congresso do Partido Comunista de Cuba, o ex-presidente cubano Raúl Castro, que governou o país entre 2008 e 2018, anunciou que deixaria a presidência da sigla hegemônica no país desde a revolução de 1959. Com sua aposentadoria, a velha guarda revolucionária deixa efetivamente o comando, entregando o poder à nova geração. Em seu lugar, assume Miguel Díaz-Canel, que governa a ilha desde 2018.
Apesar de seu caráter simbólico, a aposentadoria do irmão de Fidel Castro (1926-2016) não deve, no entanto, ter grande impacto político e econômico. Isso porque o novo presidente do PCC deve seguir com as reformas econômicas que vinham sendo implementadas desde 2008, quando Raúl sucedeu o irmão, em um contexto de grave crise econômica para a ilha, última colônia do império espanhol.
O GUIA ajuda você a entender melhor o que está em curso em Cuba, especialmente do ponto de vista econômico, e resgata a história da ilha caribenha.
Da Revolução Cubana de 1959 até a década de 1990
O movimento que depôs Fulgencio Batista, aliado dos Estados Unidos, levou a uma transformação do país do ponto de vista social, promovendo uma igualdade no acesso a educação, cultura e saúde pública de qualidade. No entanto, diferentemente da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da Coreia Norte, o país não deu um impulso industrializante. Manteve-se uma economia baseada no setor agrário e de serviços – e muito dependente da URSS. Com o fim do bloco socialista, fundamental para sua sobrevivência, e os embargos americanos – que começaram a ser implementados em 1960, durante a Guerra Fria –, a ilha entrou em grave crise econômica.
Em 2008, ao suceder o irmão, Raúl Castro deu início a importantes reformas econômicas, entre elas a venda de carros (eram famosas as imagens de Cuba com carros antiquíssimos da antiga URSS) e imóveis; uma nova onda abertura de pequenos negócios, ainda dentro de restrições; e o acesso à internet, que deram novo impulso à economia. A chamada “onda rosa” na América Latina, com a ascensão de uma série de governos progressistas, também foi importante no período. A Venezuela, antes da crise, por exemplo, fornecia gasolina subsidiada a Cuba.
Foi na gestão de Raúl Castro também que houve a reaproximação história entre Cuba e os Estados Unidos, durante o governo de Barack Obama. Isso, porém, sofreu um grave retrocesso com a ascensão de Donald Trump, em 2016, que impôs uma série de novas sanções econômicas à ilha, o que colaborou muito para agravar sua crise econômica. A hostilidade entre os dois países, que só recompuseram as relações diplomáticas em 2015, deve arrefecer nos anos Joe Biden, que foi vice de Obama.
Reforma cambial
No final de 2020, o já então presidente Miguel Díaz-Canel deu início à mudança econômica mais desafiadora: a unificação das duas moedas cubanas. Desde 1994, no auge da crise, a ilha contava com duas moedas: o peso cubano, valendo 0,04 dólar, e o peso conversível (CUC), em paridade com o dólar (1 CUC = 1 dólar). A primeira era utilizada pelo governo para o pagamento de salários e serviços; a segunda, pelo setor turístico, braço importante da economia cubana. A criação desse sistema foi uma forma de estabilizar e impulsionar a economia nos anos 1990, mas levou a disparidades sociais, como a diferença de renda entre funcionários e aposentados do setor público, fundamental na economia cubana, e trabalhadores autônomos ou proprietários de pequenos negócios voltados para os turistas. Diante da escassez de produtos, aqueles que tinham acesso ao peso conversível – ou seja, ao dólar – acabavam tendo mais poder de compra, sobretudo no mercado paralelo.
Com a unificação, no início de 2021, o peso conversível deixa de circular e 1 dólar passa a valer 24 pesos cubanos. A medida, que vem acompanhada por outras ações, pode ajudar a impulsionar a economia cubana, por meio do investimento estrangeiro, por exemplo. Mas traz também desafios. A principal preocupação do governo é com a inflação diante do cenário de escassez e de uma única moeda em circulação, desvalorizada em relação ao dólar. Isso deve corroer ainda mais o poder aquisitivo da população.
Cuba Libre?
As reformas econômicas que vêm sendo adotadas e aprofundadas em Cuba não significam, porém, que o país vá sofrer uma revolução liberal. O processo de abertura da economia e expansão do setor privado, como ocorre na China e no Vietnã, deve continuar a ser conduzido pelo Partido Comunista Cubano. Há, no entanto, pressões, como uma nova oposição. As transformações econômicas devem gerar novas demandas sociais e políticas, que podem desafiar a postura por ora conservadora do novo governo de Cuba.