Um dos países mais violentos e desiguais da América Latina, a Colômbia tem sido palco de protestos há duas semanas em decorrência de uma reforma tributária proposta pelo governo conservador de Iván Duque (do Centro Democrático, partido de orientação liberal) e da repressão policial em resposta às manifestações.
Mesmo com um saldo de quase 42 mortos e a lotação de leitos hospitalares em decorrência da Covid-19 em cidades como Bogotá, a capital do país, a tentativa de acordo entre o governo e o Comitê Nacional da Greve, realizada ontem, acabou sem solução. O motivo aventado pelos manifestantes é a resistência do governo de Iván Duque em dar fim à repressão policial.
Vamos entender melhor o que está acontecendo?
Como tudo começou
Os protestos tiveram início há quase duas semanas após a tentativa do governo de passar uma reforma tributária que tinha por objetivo manter a estabilidade fiscal do país, duramente afetado pela crise econômica em decorrência do fechamento por conta da pandemia e de medidas consideradas tímidas para mitigar os danos causados pela quarentena.
A reforma tributária – chamada de “Lei da Solidariedade Sustentável” (Ley de Solidariedad Sostenible) – visava expandir a base de contribuintes da Colômbia, taxando desde baixos salários – até então isentos de declarar a renda – até altas rendas. Além disso, havia a proposta de taxar em 19% serviços como o de gás e energia. Isso tudo após a Colômbia ter seu pior desempenho econômico no ano passado desde 2020.
A desistência do governo em aprovar a medida não foi suficiente para aplacar o ímpeto dos manifestantes.
Contexto histórico
Considerada por setores liberais como uma ilha de estabilidade na América Latina, a Colômbia tem uma história política marcada pela violência. Estima-se que, entre 1958 e 2012, mais de 200 mil pessoas tenham sido assassinadas por razões. Entre 1985 e 2012, houve quase 2 mil chacinas que mataram 12 mil pessoas. Há, ainda, uma série de desaparecimentos e manipulações de mortos. A repressão, sobretudo no campo, levou, por exemplo, ao surgimento das Farc. Esses e outros dados você pode encontrar na série Caminhos Latinos, no episódio dedicado à Colômbia.
++ Veja a trajetória dos conflitos entre as Farc e o governo da Colômbia
Estabilidade aparente
Apesar de não ter sofrido golpes como seus vizinhos, a Colômbia esteve sob estado de sítio durante boa parte do século 20. Em 2002, quatro após depois de sua eleição, o então presidente Álvaro Uribe, também do Centro Democrático, declarou estado de sítio na guerra ao terror local, representado então pelas Farc e pelo Exército da Libertação Nacional (ELN). No ano passado, o ex-presidente foi preso, o que representou um duro revés ao seu partido.
A forte política repressiva de Uribe dividiu a Colômbia entre aqueles que apoiavam as medidas e os que os responsabilizavam pelas mortes.
Em 2016, foi assinado o Acordo de Paz entre o Estado colombiano e as Farc, que se tornaram o partido Força Alternativa Revolucionária do Comum. Mais de 7 mil guerrilheiros deixaram as armas, aderindo à política institucional.
Paz armada
No entanto, a chegada de Duque ao poder em 2018, sucedendo a Juan Manuel Santos na presidência, estancou o processo de paz. Medidas como a reforma agrária – que tampouco contavam com vontade política da parte de Santos – ficaram para traz e chacinas e assassinatos continuaram a acontecer. Só em 2020 foram 60 chacinas. Nos últimos quatro anos, mais de 1200 militantes do campo e ex-guerrilheiros foram assassinados.
Cem anos de solidão – A literatura que tenta explicar a Colômbia
Macondo, cidade do romance “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez, tinha como uma de suas características, alternâncias entre breves períodos de paz – seguidos de novos períodos de guerra. A obra, expoente da chamada literatura fantástica do “boom” latino-americano da segunda metade do século 20, como se vê, não é tão fictícia assim.
++ VEJA: Após 4 dias de protestos, Colômbia abandona projeto de reforma tributária