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Cigarro eletrônico: como surgiu e quais são os riscos à saúde

Febre entre os jovens, cigarros eletrônicos causam mais vício que os tradicionais e acendem o alerta para a escalada do tabagismo no Brasil

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 21 jul 2022, 17h40 - Publicado em 21 jul 2022, 15h03
Homem fumando cigarro eletrônico
 (Nathan Salt/pexels/Reprodução)
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Coloridos, práticos, com um design tecnológico e uma vasta gama de essências, como chocolate, baunilha, manga, hortelã e chiclete. Diferentemente do cigarro comum, não produzem bituca e não exalam odor desagradável. Assim, os cigarros eletrônicos, também conhecidos por vapes ou vaporizadores, viraram moda principalmente entre os jovens e, mesmo sendo proibidos no país, conquistaram espaço e são socialmente aceitos em diversos ambientes. 

Mas a disseminação do uso do dispositivo reacende o debate sobre tabagismo e preocupa autoridades da área da saúde. 

Enquanto os cigarros tradicionais queimam por combustão, o vape é recarregável e funciona pela vaporização: dentro do dispositivo há um líquido que, quando aquecido, gera o vapor que será inalado pelo usuário. 

É por esse motivo que os cigarros eletrônicos seriam menos prejudiciais à saúde do que os comuns. Pelo menos é o que diziam os fabricantes do produto há cerca de duas décadas, quando os cigarros eletrônicos chegaram ao mercado. À época havia ainda a defesa de que um dos propósitos do dispositivo era fazer com que fumantes conseguissem largar o vício do cigarro tradicional. Porém, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não reconhece os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) como um tratamento antitabaco.

“A indústria do tabaco se apropriou do discurso da redução de danos para vender a ideia de que o cigarro eletrônico é um produto seguro. Não é. Todo e qualquer cigarro aumenta o risco de doenças cardíacas e pulmonares, bem como de câncer”, afirma a médica Tânia Cavalcante, ex-secretária-executiva da Comissão Nacional para o Controle do Tabaco do Instituto Nacional de Câncer (Inca), em entrevista à revista Veja Saúde

Vale lembrar que a OMS classifica o tabagismo como uma doença que mata anualmente oito milhões de pessoas – sete milhões por fumo ativo e um milhão por passivo. 

No Brasil, inclusive, um dos receios da comunidade médica é que a popularização dos vaporizadores prejudique os avanços conquistados em relação ao percentual de fumantes: o país é considerado uma referência mundial no combate ao tabagismo. Em 1989, 35% da população fumava. Hoje, o índice é de 9,3%.

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Diferenças entre o cigarro eletrônico e o tradicional 

Além da diferença no funcionamento (combustão versus vaporização), o cigarro eletrônico e o tradicional possuem composições diferentes. 

A fumaça do cigarro tradicional contém milhares de compostos e substâncias tóxicas. Entre elas, três se destacam: o alcatrão (uma mistura de diversas substâncias comprovadamente cancerígenas), o monóxido de carbono (que afeta a oxigenação sanguínea) e a nicotina (droga psicoativa que causa dependência).

Já nos eletrônicos, não há geração de monóxido de carbono ou alcatrão. Porém, junto com outras milhares de substâncias químicas (algumas desconhecidas) e aromatizantes, a nicotina também está presente em sua composição – e em uma quantidade muito superior a do cigarro comum.

A dosagem varia de acordo com o fabricante, mas a mais baixa equivale a seis cigarros comuns. A mais alta a 18. “O cigarro eletrônico é pior porque causa dependência muito mais rápida e intensamente que o convencional. Quando o usuário menos espera, já virou refém”, alerta a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento de Tabagismo do Instituto do Coração (InCor/USP), também em entrevista à revista Veja Saúde

Dependência e impactos psicológicos

A nicotina é uma droga psicoativa. Isso significa que ela consegue alterar funções do sistema nervoso central e desencadear mudanças temporárias no comportamento, no humor, na consciência e na percepção do indivíduo. Seu efeito é rápido: em até 15 segundos após a tragada, 25% da nicotina atinge os neurotransmissores responsáveis pela liberação de uma substância que dá a sensação de bem estar, a dopamina. E essa velocidade dificulta muito o tratamento da dependência.

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Além disso, controlar o vício não envolve apenas o controle da nicotina, mas também é preciso tratar a dependência comportamental e a psicológica. Isso porque muitas pessoas desenvolvem “gatilhos” para fumar, como momentos de ansiedade, em festas ou mesmo após tomar um café. 

“No passado, quando alguém falava que parou de fumar, a gente entendia que a pessoa estava com a dependência tratada, não estava mais com a nicotina de forma alguma. Hoje em dia, a sensação ‘parou de fumar’ passou a ser entendida como ‘não uso mais o cigarro tradicional, mas estou usando cigarro eletrônico’, o que complica o tratamento”, afirma Stella Martins, especialista em dependência química da área de Pneumologia no Hospital das Clínicas (HC) da USP, em conversa ao Jornal da USP no Ar.  

A especialista também explicou que é difícil a pessoa conseguir largar o vício por conta própria e, por isso, a recomendação é buscar ajuda especializada. 

Desde 2002, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento gratuito à base de psicoterapia. Se necessário, os médicos podem combinar o método com a prescrição de remédios que ajudem a lidar com a abstinência e superar o vício, como adesivos e chicletes de nicotina, e antidepressivos. Se você quer parar de fumar, neste link você encontra unidades do Programa de Controle do Tabagismo em todo Brasil.

“O cigarro eletrônico foi feito com a desculpa de que serviria para reduzir os danos, para ajudar as pessoas a pararem de fumar. No ambiente científico não há demonstração de que ele seja capaz sequer disso”, afirmou o médico Drauzio Varella em entrevista ao portal G1. “Estamos criando uma legião de crianças e adolescentes dependentes de nicotina. Na minha experiência pessoal, a nicotina é a droga mais difícil de largar porque é a única que causa crises de abstinência em minutos.”

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Outros malefícios do cigarro eletrônico

Com a adição de aromatizantes, o dispositivo se tornou mais atrativo para os jovens. Os “cheirinhos” fazem o vape parecer inofensivo e mais desejado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o uso de dispositivos eletrônicos entre alunos do Ensino Médio aumentou 900% entre 2011 e 2015, de acordo com um relatório elaborado pela US Surgeon General, entidade pertencente ao Serviço de Saúde Pública do país.

O problema é que, além dos malefícios que oferece por si só, os vapes funcionam como uma “porta de entrada” para o tabagismo. O uso dos cigarros eletrônicos aumenta em quase três vezes e meia o risco de experimentar o cigarro convencional e em mais de quatro o de se tornar fumante habitual. É o que aponta o levantamento do Instituto Nacional de Câncer (INCA), que analisou 31 estudos, totalizando dados de 131,4 mil indivíduos de diferentes países.

Segundo o mesmo instituto, os DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar) contém substâncias tóxicas que podem causar doenças respiratórias, como o enfisema pulmonar, doenças cardiovasculares, dermatite e câncer.

A pneumologista Stella Martins, em entrevista ao Jornal da USP no Ar, também apontou que usuários de cigarro eletrônico têm 42% de chance a mais de terem um infarto do que aqueles que não fazem uso do produto. Isso ocorre por conta da presença de supernicotina em sua composição, que é o sal de nicotina, muito mais potente que a substância presente nos cigarros tradicionais. 

Como já mencionado, a nicotina é responsável pelo vício, mas seus impactos na saúde não param por aí: ela está associada a mais de 50 enfermidades, como problemas cardiovasculares, impactos no sistema imunológico, doença pulmonar obstrutiva crônica e diversos tipos de câncer (pulmão, laringe, esôfago, bexiga…).

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O fumo ainda contribui para a impotência sexual, osteoporose, periodontite e catarata, entre outras implicações. Um estudo realizado pela Universidade de Portland, nos Estados Unidos, revelou que, por causa de uma substância chamada formaldeído, o vapor desses dispositivos pode ser até 15 vezes mais cancerígeno que a fumaça do cigarro. 

Para além das doenças já conhecidas pela comunidade médica, suspeita-se que os usuários de cigarros eletrônicos também estão desenvolvendo uma doença nova e que pode levar à morte: a evali. Em inglês, essa é a sigla para e-cigarette or vaping product use-associated lung injury (lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico, em tradução livre). 

Nos Estados Unidos, entre agosto de 2019 e fevereiro de 2020, ocorreram  2,7 mil internações decorrentes da doença. Dessas, 68 pacientes não resistiram e foram a óbito. No Brasil, a Anvisa registrou oito casos. 

Cigarro eletrônico no Brasil

Desde 2009, a venda, a importação e a propaganda de cigarros eletrônicos são proibidas no Brasil por conta de uma resolução da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária). A justificativa do órgão para a decisão foi a falta de dados científicos que comprovassem a segurança dos vaporizadores.

No início de julho deste ano, a diretoria colegiada da Anvisa se reuniu para discutir a regulação dos dispositivos no país. Os especialistas analisaram o Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que contém uma série de informações sobre o dispositivo, como toxicidade e impactos à saúde. 

Busca de Cursos

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Por votação unânime, a agência decidiu manter a proibição e ainda adotar medidas que reduzam a procura pelos vapes, como campanhas educativas. E, segundo o órgão, ainda este ano será feita uma reforma na legislação atual e uma consulta pública sobre o tema. 

Apesar da proibição, da contraindicação das autoridades na área da saúde e das pesquisas, os cigarros eletrônicos podem ser encontrados com facilidade em sites e lojas físicas. Hoje, 3% da população adulta faz uso diário ou ocasional do cigarro eletrônico, segundo um levantamento do Datafolha realizado em fevereiro deste ano. Esse percentual equivale a cerca de 4,7 milhões de usuários, se considerarmos o total de brasileiros acima dos 18 anos.

Entre os mais jovens, os dados são ainda mais alarmantes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2019, 13,6% dos estudantes de 13 a 15 anos já experimentaram cigarro eletrônico. Entre alunos de 16 a 17 anos, o índice é de 22,7%. 

Se você quer parar de fumar, neste link você encontra unidades em todas as capitais do Brasil do Programa de Controle do Tabagismo.

Para se aprofundar no tema

  • Documentário “Cigarro eletrônico: como tudo deu errado”, disponível na Globoplay;
  • Série “Desserviço ao Consumidor” – Episódio “Febre do vape”, disponível na Netflix;
  • Podcast “Os malefícios do cigarro eletrônico – com Drauzio Varella” – (Isso é Fantástico), disponível no Spotify

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