Seja na mesa de bar ou na fila do mercado, as conversas sobre economia e a alta dos preços quase sempre esbarram em um senso comum: “pagamos muito imposto no Brasil!”. Não raro, o sujeito ainda emenda: “e para onde vai todo esse dinheiro que não vemos?”.
Existe um fundo de verdade nessa reclamação, no entanto. No Brasil, a arrecadação anual de tributos sempre ultrapassa os 30% do PIB (Produto Interno Bruto) – em 2021, este percentual chegou a 33,9%. Não dá para negar, é muita coisa mesmo!
Mas será que todos estes tributos arrecadados pelo governo pesam da mesma forma no bolso de cada cidadão? Aliás, o que são exatamente os impostos – e o que os difere, por exemplo, de outros tributos?
Por fim, será que nós realmente não vemos onde vai parar esse montante todo de dinheiro que o governo arrecada dos brasileiros?
Tudo isso, você entende neste texto.
Para que servem os impostos e onde eles são cobrados
Em primeiro lugar, precisamos saber o que são os chamados “impostos”. Eles fazem parte de uma categoria maior que engloba todas as arrecadações feitas pelo governo, os tributos. É, basicamente, tudo aquilo que não podemos escolher se vamos ou não pagar: a cada pãozinho comprado na padaria ou ingresso de show adquirido, eles estão lá. Apenas pagamos.
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Existem cinco tipos de tributos: contribuições sociais e de melhoria, taxas, empréstimos compulsórios e os impostos. Os mais importantes são as contribuições sociais e os impostos, pois são eles os que mais arrecadam recursos.
O papel dos impostos nada mais é do que custear o funcionamento geral de todo o Estado, isto é, além de fazer a máquina estatal girar, deve fornecer uma estrutura de bens e serviços para toda a população, como saúde, segurança e educação, que são direitos universais.
Vamos pegar o SUS (Sistema Único de Saúde) como exemplo. Seu financiamento vem de diversos impostos pagos pela população, como:
- INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), responsável pelo gerenciamento da Previdência populacional, a aposentadoria;
- Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Nacional), imposto federal responsável por financiar serviços como previdência social e saúde;
- ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), tributação estadual dos produtos e serviços adquiridos;
- IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), tributação federal de bens produzidos pelas indústrias;
- IPTU (Imposto sobre Propriedade Predial e Urbana) e IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos), tributações municipal e estadual, respectivamente, que incide sobre imóveis e veículos.
Ou seja, o que paga a construção de novos hospitais, a contratação de médicos e a compra de medicamentos que serão oferecidos pelo SUS são os impostos pagos pela sociedade, que são arrecadados desde o almoço no restaurante até o pagamento do imposto que incide sobre o carro da família, por exemplo.
Eduardo Lazzari é pesquisador na Universidade Harvard e na FGV (Fundação Getúlio Vargas), e explica que essa estratégia de valores elevados de arrecadação de impostos no país foi adotada na própria Constituição Federal de 1988. A ideia, segundo ele, era que o Estado fosse o responsável por reduzir a pobreza e a desigualdade, mas para isso o dinheiro precisaria sair de algum lugar. Considerando um país de dimensões continentais como o Brasil, é de se imaginar que seriam necessários muitos – e altos – tributos para tirar o plano do papel.
Quem paga muito imposto no Brasil
Isso quer dizer que realmente pagamos muito imposto no Brasil? Vamos com calma. A taxa total de arrecadação pode mesmo ser alta, mas é importante colocar na balança outras informações trazidas até aqui: o tamanho do Brasil e os serviços públicos ofertados no país. O problema, muito mais do que a quantidade de dinheiro arrecada em impostos, é a forma como essa arrecadação é feita, que realmente faz com que esses tributos pesem mais no bolso de alguns brasileiros do que de outros. Expliquemos melhor.
Os impostos são cobrados por três caminhos diferentes: o consumo (bens e serviços adquiridos), a renda, e os patrimônios, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas. Isso não só no Brasil, mas em vários países. Acontece que no nosso, o maior volume de arrecadações sai deste primeiro item, o consumo, que é o destino final do salário dos brasileiros. Em 2019, o valor desta taxação era de, em média, pouco mais de 43%. Já a renda e o patrimônio são menos taxados.
Isso faz com que os mais pobres, que são aqueles que gastam a maior proporção de sua renda consumindo (e que têm menos patrimônio!), acabem pagando mais impostos proporcionalmente do que pessoas mais ricas, que acumulam grandes fortunas.
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Na prática fica mais fácil de entender: um texto publicado pelo Senado Federal deu o exemplo de uma diarista de limpeza e um gerente de banco que compraram um mesmo modelo de celular. A diarista ganha R$2.200 por mês. Já o gerente, R$16.500. O celular custa R$1.000, e neste valor já está incluso os R$400 do ICMS. Para a diarista, o valor deste imposto será o equivalente a 18% de seu salário; já para o gerente, será apenas 2,5% de seu salário. Para quem este imposto pesou mais?
Nos impostos que incidem sobre a renda, isto é, o famoso Imposto sobre Renda de Pessoa Física, o Brasil também possui um sistema de arrecadação criticado. Atualmente, existem cinco faixas salariais que pagam uma taxa crescente de imposto sobre a renda:
- até R$ 2.112 reais – 0,0%
- entre R$ 2.112,01 e R$ 2.826,65 – 7,50%
- entre R$ 2.826,66 e R$ 3.751,05 – 15,00%
- entre R$ 3.751,06 e R$ 4.664,68 – 22,50%
- acima de R$ 4.664,68 – 27,50%
Isto significa que quem ganha R$ 5.000 paga a mesma taxa de Imposto de Renda de quem ganha R$ 50.000. Ou seja, quem ganha menos, acaba, proporcionalmente, pagando mais imposto.
Em movimento contrário, a tributação sobre patrimônios no Brasil é ínfima, e a tributação sobre lucros e dividendos de ações parou de ser cobrada em 1996.
A título de comparação, vale a pena dar uma olhada no que está acontecendo em outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, é um dos países que mais taxam propriedades no mundo, de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), ocupando o segundo lugar da lista ao lado do Reino Unido. O Brasil está pelo menos 14 posições abaixo. Já quando se trata da taxação de bens e serviços, o Brasil é o quarto país no mundo que mais cobra impostos.
Ou seja, quando te disserem que o brasileiro paga muito imposto, pergunte de qual brasileiro estamos falando.
Como tornar a tributação mais justa
Para Eduardo Lazzari, sempre existem maneiras de reduzir a carga tributária, se esse for o interesse da sociedade, mas vale refletir o quanto isso afetaria a qualidade dos serviços prestados. A alternativa apresentada pelo pesquisador é tornar a cobrança de impostos mais justa.
Uma reforma na tributação de mercadorias e serviços, por exemplo, como a reforma tributária em discussão neste ano, poderia ser um dos caminhos. Ela simplifica o sistema de arrecadação, propondo também que os serviços (consumidos pelos mais ricos) sejam mais taxados que as mercadorias (de consumo mais disseminado e que afeta a população mais pobre).
Mas para tornar uma reforma tributária efetivamente mais justa, seria necessário olhar, também, para a tributação sobre a renda. Na Coreia do Sul, por exemplo, existem sete faixas salariais, com porcentagens progressivas conforme o aumento do salário. Além disso, a tributação sobre os rendimentos de ações e patrimônios também deveria ser reavaliada – a famosa discussão sobre taxar os mais ricos.
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