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As origens da fome no Brasil e por que ela voltou a crescer

O país encara um quadro pior do que há 30 anos e 125,2 milhões de brasileiros não têm acesso pleno a alimentos de qualidade e na quantidade adequada

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 10 jan 2023, 10h37 - Publicado em 15 jul 2022, 10h54

A fome no Brasil atinge, hoje, mais de 33 milhões de pessoas –14 milhões a mais do número registrado em 2020 – e 6 a cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, encomendado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e executado pelo Instituto Vox Populi.

O levantamento acende o alerta sobre a volta do fantasma da fome: duas décadas de avanços na questão da segurança alimentar foram perdidas e o país retrocedeu ao quadro vivido nos anos 1990. Para se ter uma ideia, em 1993, eram 32 milhões de pessoas nessa situação, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ainda que a população brasileira fosse 27% menor que a de hoje.

Mas está se perguntando o que, afinal, é insegurança alimentar?

Insegurança alimentar pode ser caracterizada pela falta de acesso pleno, estável e, portanto, regular a alimentos em quantidade e qualidade adequados. Desse modo, o conceito de insegurança alimentar é mais amplo que o de fome e pode ser identificado de três formas: 

Hoje, 125,2 milhões de brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar, número que corresponde a mais da metade (58,7%) da população do país.

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Causas da fome e impactos da pandemia

A insegurança alimentar, mais do que a falta de alimento na mesa, também é caracterizada pela incerteza constante acerca da próxima refeição. Foi esse sentimento que habitou a casa de muitos brasileiros durante a pandemia. “A preocupação de que o alimento vai acabar e ter que tomar decisões para que isso não aconteça é ter psicologicamente a fome presente, mesmo que ainda não tenha se materializado”, afirma em entrevista a Folha de S. Paulo Renata Motta, professora de sociologia da Universidade Livre de Berlim e coordenadora do estudo Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil. O levantamento, divulgado em abril de 2021, indicou que até aquele momento da pandemia ao menos 125 milhões de brasileiros já haviam sofrido com algum grau de insegurança alimentar. 

Para entender por que o problema acentuou-se ainda mais com a chegada do coronavírus, basta saber que a renda – ou antes a falta dela – é a principal engrenagem por trás da fome. “Os principais motivos para a fome no Brasil são de natureza econômica: o aumento do desemprego e da pobreza, somada à inflação que corrói o poder de compras dos salários, torna cada vez mais difícil o acesso regular a alimentos por grande parte da população brasileira”, afirma Faber Paganoto, autor do material de Geografia do Sistema de Ensino pH. 

Importante lembrar que a cesta básica em 2022 custa próximo ou mais que R$800 em grande parte das capitais, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e que mais da metade dos brasileiros vive com renda mensal inferior a R$ 500. Neste sentido, a pandemia piorou o problema já existente, pois a recessão econômica decorrente deste contexto e o consequente aumento do desemprego dificultaram o acesso a alimentos por parte das populações mais vulneráveis.

Em outras palavras, o surgimento da covid-19, por si só, não justifica todo o problema. Daniel Balaban, diretor do Programa de Alimentos da ONU no Brasil, também reforça o caráter estrutural da fome no Brasil como algo que antecede as crises desencadeadas pelo coronavírus. A fome já vinha escalando no país há pelo menos seis anos. Uma pesquisa divulgada em 2020 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicou que, de 2017 a 2018, ao menos 10,3 milhões passaram fome no Brasil. O desmonte de políticas públicas, a manutenção da concentração de renda e, em menor medida, até mesmo os eventos climáticos extremos são alguns elementos por trás do fenômeno. 

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“A pandemia não é a maior culpada pelo Brasil estar de volta a esses números extremamente altos de pessoas com fome. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Essa população precisa do apoio de políticas públicas para ser incluída na cidadania, incluída na sociedade. Fazer com que as pessoas possam produzir, possam participar, colocar pequenos negócios, possam ter hoje uma formação educacional e profissional diferenciada”, afirma Daniel Balaban. 

Na pandemia, a bomba-relógio formada por todos estes fatores acabou explodindo. “As medidas governamentais de combate à fome durante a pandemia se mostraram e ainda se mostram insuficientes, pois além de serem isoladas, não são capazes de mitigar os efeitos da alta da inflação, desemprego e queda generalizada de renda das famílias”, explica Fernando Caiafa Loureiro, professor de História do Poliedro Curso de São Paulo. 

Desse modo, é possível perceber que as múltiplas causas da fome no Brasil pouco tem a ver com a produção de alimentos propriamente dita, mas são antes um conjunto de ações humanas – como já prenunciava Josué de Castro, um dos maiores intelectuais e pesquisadores da fome no país.

“A fome no Brasil é estrutural e histórica. Desigualdade social profunda, altas taxas de inflação, ausência de políticas públicas de longo prazo para a erradicação da pobreza podem ser a base para entender a raiz do problema”, afirma o professor Loureiro.

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Como o assunto pode ser cobrado nos vestibulares

Segundo Paganoto, professor de Geografia, o tema da fome nunca deixou de ser cobrado pelos vestibulares dada sua relevância social, mas o contexto de agravamento pós-pandêmico pode reforçar sua presença. 

As questões podem relacionar, por exemplo, a fome no mundo contemporâneo com o discurso malthusiano do final do século 18 – para Thomas Malthus, a produção de alimentos não acompanharia o crescimento populacional e essa seria a causa da fome. Neste sentido, poderia ser exigido do candidato a compreensão de que a fome não decorre, na maior parte dos casos, de problemas na produção de alimentos, mas da sua distribuição e do acesso a ele por meio da renda. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores produtores mundiais de alimentos e tem 125,2 milhões de pessoas vivendo com algum grau de insegurança alimentar. 

Também pode ser explorado o retorno do Brasil ao Mapa da Fome, elaborado pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU). Um país entra no levantamento quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. No Brasil, a fome crônica atingiu 4,1% e a situação no país está pior que a média global.

Outra dimensão que pode ser explorada pelo vestibular é a desigualdade espacial do problema. No Brasil, a fome afeta principalmente famílias residentes nas regiões Norte e Nordeste e é mais grave nas áreas rurais do que nas áreas urbanas.

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Loureiro, professor de história do Poliedro, também afirma que os vestibulandos devem ficar atentos a diferentes aspectos sociais, históricos e geográficos relacionados à fome como movimentos sociais (Canudos) e períodos de guerras que desencadearam processos de escassez alimentar. Durante a Segunda Guerra Mundial, destacam-se a fome na Índia, China ou entre os milhões de refugiados. Também é importante considerar a Grande Fome na Irlanda do século 19, a fome na Ucrânia durante o regime stalinista (Holodomor), fome na Europa do século 14 ou mesmo a fome estrutural em diversas regiões do planeta, sobretudo no continente africano.

“Os estudantes precisam ter a real dimensão da gravidade da fome. Morrem no mundo todos os anos mais pessoas de fome do que de doenças como Aids, malária e tuberculose juntas e figura entre as principais causas de morte de crianças com menos de 5 anos nos países subdesenvolvidos”, finaliza Paganoto.

Para aprofundar no tema da fome

O GUIA DO ESTUDANTE selecionou alguns livros, podcasts e filmes para se aprofundar no tema da fome. Confira:

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