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Além da Lei Áurea: o lento processo de abolição da escravidão no Brasil

O movimento abolicionista e a resistência dos próprios escravizados foram decisivos para o fim oficial do infame regime

Por Juliana Morales
Atualizado em 20 Maio 2022, 18h40 - Publicado em 13 Maio 2022, 18h51

Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, abolindo, ao menos oficialmente, a escravidão no Brasil. A data é celebrada no calendário brasileiro como o Dia da Abolição da Escravatura, mas basta um olhar mais atento aos principais acontecimentos do século 19 para entender que a abolição no Brasil não se resume à assinatura da princesa.

O processo lento e gradual que culminou no fim oficial da escravidão pode ser considerado um próprio reflexo da sociedade brasileira do período. Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE explica os principais eventos que marcaram a luta pela abolição da escravatura no país.

A abolição da escravidão não se resume à Lei Áurea

A partir de 1830, já no período imperial, a expansão da cultura cafeeira aumentou a necessidade de mão de obra no Brasil. Ao mesmo tempo cresciam as pressões internacionais contra o tráfico negreiro, movimento que partiu principalmente da Inglaterra, que estava preocupada com a concorrência, uma vez que nas colônias inglesas no Caribe o comércio de escravos havia sido proibido e os produtos exportados tinham ficado mais caros.

Em 1831, cumprindo acordos firmados com a Inglaterra, o governo brasileiro declarou o tráfico de escravizados no território nacional por meio da Lei Feijó. Mas, na prática, o comércio continuou em grande escala. Por isso, falava-se que a lei havia sido criada só para agradar os ingleses. Daí vem a origem da expressão “para inglês ver”, usada até hoje para demonstrar desconfiança de que uma ação vai ficar só no papel, no imaginário. 

Em 1845, o Parlamento britânico aprovou, então, a Bill Aberdeen, lei que dava à Marinha de Guerra inglesa o direito de aprisionar navios negreiros em qualquer ponto do Atlântico. 

A pressão inglesa era cada vez maior e, em 1850, foi promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, que novamente proibia a entrada de escravos no país. Dessa vez, o governo brasileiro empenhou-se em cumpri-la. Com o fim do tráfico, a escravidão entrou em declínio.

Para suprirem a demanda por mão de obra, os fazendeiros e o governo imperial começaram a incentivar a vinda de imigrantes europeus. O trabalho assalariado tornou-se cada vez mais comum, em oposição à escravatura, que passou a ser vista como algo anacrônico. Além disso, percebeu-se que o trabalho compulsório era um empecilho ao desenvolvimento do capitalismo, pois atravancava a formação do mercado interno. Só por volta de 1880 surgiu um movimento pró-abolição.

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A pressão sobre o governo levou à publicação de uma série de leis, que, lentamente, conduziram ao fim do trabalho forçado no país. A primeira foi a do Ventre Livre, em 1871, que deveria libertar os filhos de escravos nascidos a partir de então. 

Em 1885, foi promulgada a Lei do Sexagenário, que dava liberdade a escravizados que conseguiam passar dos 65 anos. Laila Antunes, professora de História do Colégio Rio Branco, observa que a medida chegou a ser criticada pelos abolicionistas, já que existiam poucas e raras chances de escravizados chegarem aos 60 anos, diante das condições precárias de vida e de acesso à saúde que eles enfrentavam.

“Essas leis não eram, simplesmente, vitórias dos grupos abolicionistas. Elas também representavam, muitas vezes, uma maneira dos fazendeiros de atrasar ao máximo a abolição”, analisa Laila.

Só então em 1888 foi criada a Lei Áurea – assinada pela princesa Isabel, que substituía o imperador dom Pedro II, em viagem à Europa –, que determinou o fim da escravidão no país.

Três forças da abolição

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Além da pressão internacional, especialmente por parte da Inglaterra, mais dois fatores colaboraram com a abolição, de acordo com Laila. Um deles era o movimento abolicionista, formado por intelectuais como advogados, jornalistas, escritores e trabalhadores livres. E o outro fator foi a resistência dos próprios escravizados. Essas três forças iam contra um grupo mais conservador, das oligarquias, que usavam mão de obra escrava em suas fazendas.

“Existe uma uma percepção enganosa de que os escravizados eram submissos e não se movimentavam para o fim do trabalho forçado”, alerta Laila. Negros usavam a fuga, a queima de plantações, os atentados a feitores e a senhores e até mesmo a morte de recém-nascidos e o suicídio na luta contra a escravidão.

A mais expressiva forma de resistência foi a organização dos quilombos, comunidades autossuficientes formadas por escravos fugidos. O mais memorável foi o de Palmares, criado no fim do século 16, em uma área onde fica a divisa de Alagoas com Pernambuco. Em seu auge, o quilombo de Palmares chegou a ser formado por nove aldeias, denominadas mocambos, contando com uma população de 20 mil habitantes. Havia também uma economia bem organizada, realizando comércio com o entorno. Abrigava, além de negros fugidos, indígenas e brancos marginalizados.

A existência de Palmares estimulava ainda mais a fuga de escravos. Com isso, já no século 17, os fazendeiros da região decidiram reunir milícias para atacá-lo. O líder da comunidade, Ganga Zumba (“grande chefe”), firmou um acordo de paz com os brancos em 1678, mas foi assassinado. Seu sucessor, Zumbi, liderou a resistência contra os invasores até 1694, quando o principal mocambo de Palmares caiu diante das forças de Domingos Jorge Velho. Nos meses seguintes, as outras aldeias cederam. Zumbi fugiu, mantendo a resistência. Mas, em 1695, traído, teve o esconderijo descoberto e foi morto numa emboscada.

Protagonismo negro

Além das fugas e das formações de quilombos, houve uma série de figuras negras, que já haviam conquistado sua liberdade, que lutaram diretamente pela abolição, seja no campo da política, da literatura ou da comunicação.

São casos como o do ativista Luís Gama, que foi um dos principais advogados do movimento, do jornalista José do Patrocínio, que fundou a Confederação Abolicionista, e de outros nomes, entre negros e brancos, como André Rebouças, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco.

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O fim da escravidão, não do racismo

Raphael Tim, professor de História do Curso Anglo, define a Lei Áurea como “uma vitória das décadas consecutivas de intensas mobilizações da população negra brasileira no século 19 em oposição ao escravismo – ações fortalecidas e legitimadas pelo movimento abolicionista desse período”.

Entretanto, o professor ressalta que a lei não criou mecanismos jurídico-legislativos para assegurar à população negra os mesmos direitos e as mesmas possibilidades de exercício da cidadania garantidos à população branca.

“Auxilia nas interpretações sobre essas complexidades o fato de que a Lei nº 3.353 [Lei Áurea] não era contra o racismo, que, no Brasil, somente foi criminalizado em 1951. Foi uma lei especificamente contra a escravidão”, afirma Tim. Segundo o professor, nomes destacados do abolicionismo também eram racistas e acreditavam na inferiorização imposta sobre a negritude. O único aspecto que os incomodava era a escravidão em si.

Tim afirma que a não ascensão social da população negra , mesmo com a liberdade, se explica pelo fato de que o suposto “mérito individual” não se estabelece em uma sociedade moldada por quatro séculos consecutivos de escravidão. Ou seja, não há igualdade de oportunidades se a sociedade está fundamentada em graves desigualdades econômicas – que, por sua vez, estão alicerçadas em opressões raciais.

“Isso se revela, por exemplo, nas sucessivas Constituições na República acompanhadas de códigos penais que criminalizavam parte significativa das sociabilidades da população negra, justificando tanto o encarceramento em massa quanto a condenação moral dessas atividades”, afirma o professor.

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