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A verdadeira distância entre o Ensino Técnico brasileiro e o alemão

Especialistas defendem que cursos técnicos do Brasil devem se aproximar de empresas e universidades. No país europeu, 50% dos jovens procuram esses cursos

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 25 fev 2019, 15h03 - Publicado em 5 fev 2019, 18h07
 (Centro Paula Souza/Divulgação/Reprodução)
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Em recente entrevista ao Valor Econômico, o ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez, declarou que o acesso à universidade é restrito a uma elite intelectual. Entre outras frases polêmicas, ele também defendeu a expansão do Ensino Técnico no Brasil, que deveria buscar um modelo próximo ao da Alemanha. “Nada contra o Uber, mas esse cidadão poderia ter evitado perder seis anos estudando legislação”, disse o ministro, referindo-se às pessoas que estudam Direito e acabam, por falta de opção, virando motoristas no aplicativo de transporte.

O modelo alemão a que Rodríguez se referia é conhecido como Sistema Dual. Há mais de 40 anos a Alemanha é referência no Ensino Técnico. Países como Suíça, Áustria e Coreia do Sul importaram e adaptaram o sistema.

O Sistema Dual

A principal característica do sistema é a associação do aprendizado teórico ao prático. O aluno passa, semanalmente, cerca de dois dias em sala de aula e o restante dentro da empresa responsável pela sua tutoria. Lá, coloca em prática os ensinamentos teóricos voltados ao ofício que foram aprendidos em sala. É importante lembrar, no entanto, que as aulas ministrada não se restringem apenas à formação técnica. Os estudante alemães têm uma base de ensino sólida e de qualidade.

O sistema é resultado de uma parceria entre o Estado alemão e empresas privadas, cujo engajamento e valorização dos estudantes e dos profissionais técnicos são fatores que garantiram o êxito do modelo, acredita Hans Wagner, diretor da Formação Profissional Dual do Colégio Humboldt, que há 36 anos aplica o modelo dual de ensino no Brasil. Ele vê diferenças entre os modelos alemão e brasileiro. Enquanto na Alemanha os jovens são mais valorizados, aqui eles podem virar sinônimo de uma certa economia na folha salarial. “Esta é uma condição importante: que o estagiário não seja usado como mão de obra barata, mas como um jovem que tem que aprender uma profissão”, diz. 

Na Alemanha, entre 40 e 50% dos jovens procuram a formação técnica, e os níveis de empregabilidade e de valorização no mercado são altos. Algumas pessoas chegam, posteriormente, a procurar uma universidade, mas não é algo comum. Nos últimos 15 anos, algumas empresas têm criado faculdades para que os funcionários possam cursar o Ensino Superior dentro delas.

Os avanços e entraves do Ensino Técnico no Brasil

Segundo Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma valorização do profissional técnico no Brasil está em curso, ao menos salarial. “O que acontece é que ainda há uma diferença de remuneração para cargos técnicos e de formação superior, mas isso vem reduzindo com o passar dos anos”.

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Em 2014, a pesquisa Educação e Qualificação Profissional, realizada pelo IBGE, mediu, entre outras coisas, a taxa de empregabilidade de pessoas que realizavam o Ensino Técnico em nível médio. À época, 35% dos entrevistados responderam estar trabalhando na área em que se formaram e 24,7% disseram já ter trabalhado na área no passado, embora não no momento. Entre os motivos mais importantes para terem conseguido o emprego, eles citaram principalmente os conteúdos aprendidos ao longo do curso e o diploma. 

Ainda assim, o abismo persiste. De acordo com a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV (CEIPE), Claudia Costin, um dos motivos é a qualidade dos cursos. Muitos Técnicos associados ao Ensino Médio não cumprem as expectativas. Para Costin, isso acontece por questões de diversas ordens, que vão desde a estrutura do curso até o processo de seleção e entrada de alunos.

Ao contrário do que acontece na Alemanha, em que há uma proximidade muito grande com o setor empresarial para entender as demandas tanto de profissionais quanto de formação, os cursos técnicos brasileiros acabam, por vezes, não dialogando com o mercando e entregando profissionais para áreas saturadas.

No Brasil, segundo ela, as escolas técnicas públicas são, na prática, escolas preparatórias para o vestibular. Isso por causa de seu poderoso filtro de seleção, o chamado “vestibulinho”. Ele acaba selecionando apenas os alunos de ponta, que, na maioria, não estão interessados em seguir carreira técnica, mas em se preparar para o vestibular de grandes universidades.

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“Temos que ter uma forma de acesso muito diferente, mais centrada numa análise psicológica daquele jovem e do quanto que ele vai estar comprometido com uma carreira técnica”. Costin enfatiza também que, paralelamente, deveria haver uma melhora do Ensino Médio não profissionalizante.

Embora o ministro Vélez tenha citado como referência o modelo alemão, novas escolas técnicas continuam a ser inauguradas com algumas dessas mesmas falhas apontadas por Costin. No mês passado, quando 33 Etecs inauguraram em São Paulo o modelo proposto na reforma do Ensino Médio, a seleção alunos se deu por meio do “vestibulinho”. 

A reforma do Ensino Médio foi aprovada em fevereiro do ano passado e prevê uma expansão do Ensino Técnico, que dividirá espaço com os conteúdos mínimos obrigatórios a serem definidos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas não se sabe como será essa expansão.

A reforma deixa em aberto várias questões relativas ao Ensino Técnico, ficando a cargo das redes de ensino organizar os percursos formativos, escolher se quer ou não incluir vivências práticas de trabalho no setor produtivo e até ofertar formações experimentais. Em ensaio escrito no site Nexo, Roberto Catelli, coordenador da unidade de educação de jovens e adultos da Ação Educativa, chama a atenção para a margem que o modelo abre para que instituições ofereçam cursos sem professores licenciados.

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Ensino técnico e universidade para todos

Tanto para Claudia Costin quanto para Andressa Pellanda, o Ensino Técnico no Brasil tem muito a avançar e tem um importante papel na diminuição de taxas de desemprego e qualificação da mão de obra no país. Mas esse crescimento não deve se dar às custas da restrição do acesso à universidade, como afirmou o ministro da Educação. O acesso, segundo Costin, deveria ser ampliado em ambas as áreas, já que a participação tanto no Ensino Técnico quanto no Superior é muito pequena no país.

“Quando fazemos um comparativo internacional de quantos brasileiros concluem o Ensino Superior, é baixíssimo para qualquer país do mesmo grau de desenvolvimento que o nosso. Não é verdade que está indo muita gente para universidade”. O Censo da Educação Superior 2017, divulgado no ano passado, aponta que 3.226.249 brasileiros estavam matriculados no ensino superior. Destes, apenas 18,3% cursavam universidades públicas. 

De acordo com ela, é preciso que haja ainda uma permeabilidade entre o Ensino Técnico e o Superior, e que quem cursa o primeiro tenha a possibilidades reais de seguir depois para a universidade, se assim desejar. Reconhece, no entanto, que há um recorte socioeconômico que influencia na escolha de quem opta em um primeiro momento pelo Ensino Técnico. “As pessoas que vêm de famílias menos escolarizadas ou mais pobres tendem a optar por carreiras técnicas, o que pode ser um problema. Temos que tomar cuidado com isso porque é importante garantir equidade”.

Ela destaca, por outro lado, que o percentual de pessoas de baixa renda é pequeno não só no Ensino Superior, mas também no próprio técnico. A pesquisa Educação e Qualificação Profissional também mediu que dos 9 milhões de estudantes do Ensino Médio apenas 9% frequentavam um curso técnico de nível médio. Além disso, Costin apontou que os estudantes de cursos técnicos residiam em domicílios nos quais o rendimento domiciliar per capita era mais alto do que o dos estudantes de Ensino Médio de cursos não técnicos. 

Resta aguardar quais serão os passos dados rumo ao desenvolvimento do Ensino Técnico no Brasil. Porque o modelo alemão ainda é uma realidade distante.

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